A campanha eleitoral naquela pequena cidade do interior nordestino já havia alcançado o mais baixo nível de toda a história…
Cadeiradas eram afagos, perto do que se via por lá, mas também não era tão violenta quanto aquele caso do senador assassino que matou alguém lá em 4 de Dezembro de 1963…
Mas esqueceram a gentileza!
Palavrões, cadeiras voando, e um tal de “ladrão” pra cá e “ladrão” pra lá… mas ninguém cogitava a ideia de processar o candidato A, B ou C. Vai que tinha algo escondido!
Então, o coordenador da campanha de Jorge Clemente resolveu inovar: — “Nada é tão puro quanto uma criança!”
Bem, crianças não votam…
Usar crianças em campanhas políticas é meio estranho. Candidatos com cara de nojo abraçando crianças que dariam tudo para não estar naquele lugar…
Usar crianças é um artifício complicado, pois muitos casos de corrupção envolvem dinheiro que seria destinado à educação e à cultura – o futuro das mesmas.
Mas, como não estou aqui para explicar política e sim para contar o caso, deixe-me continuar:
Jorge Clemente teve a brilhante ideia para apaziguar os ânimos: — “Vou inovar… No carro de som, vou colocar algumas crianças para acenar ao povo, enquanto o locutor fala mansamente o nome Clemente…”
E assim se deu.
Quatro meninos foram escolhidos para desfilar no carro e acenar ao povo pelas ruas da cidade.
E qual não foi a surpresa da população ao ver que, enquanto a caravana passava, as inocentes crianças erguiam os pequenos dedos médios, em riste, para os adversários políticos.
Mas, nenhum foi tão perfeito quando Aristóbulo Duarte, este parecia odiar times de futebol!
Explica-se, não dava nenhuma demonstração de paixão ou a mínima quedinha por qualquer time em qualquer partida que arbitrou.
Mas, mesmo o coração dos árbitros pode ser traiçoeiro.
O campeonato não estava bom para o mais querido, a primeira partida da final foi difícil e o time da Fala Mansa, venceu por um gol de diferença.
O clima estava terrível, pois o futebol nunca fora tão equilibrado. O jogo da volta era uma incógnita.
Mas, chegou a data!
Todos temiam, menos a turma que venceu a primeira partida, Aristóbulo era o árbitro. Com ele haveria, no mínimo, uma partida justa. Mas, Aristóbulo tremia por dentro.
O Mais Querido, também era o mais querido do árbitro, que estava triste – nada podia fazer.
E começou a partida.
O time da casa, deu o pontapé inicial.
A pressão nos primeiros minutos era horrível, mas o João do Fala Mansa pegava tudo, o que queria e até mesmo o que não queria – Gripe foi uma delas.
A calma adversária irritava o Mais querido, que precisava vencer por dois gols de diferença. 30 minutos, o empate persistia.
Mas, num lance de pura sorte, Cabeludinho entra na área e algum fantasma adversário deu- lhe uma rasteira que o fez rolar por cinco metros.
Fantasma? Deve ter sido, pois ninguém viu o autor da falta, só o Aristóbulo. Gol do mais querido! Pênalti!
O Fala Mansa EC, se revoltou. Cercou o árbitro, reclamou, brigou.
Mas, não se ousou a dizer que ele estava roubando.
Perninha, o atacante adversário se ousou a dizer com ou sem juiz a gente vence. Foi a gota d’água! Aristóbulo sacou um vermelho imediato e mandou o Perninha pro chuveiro.
O engenhoso técnico Martins, não entendeu. E tratou de organizar o time. E acabou o primeiro tempo.
O mais querido ainda precisava de mais dois gols para levar o título, mas estava difícil.
Trinta minutos da mais pura pressão e nada. Já que o mais querido não podia fazer nada, cabia ao sobrenatural dar um jeito!
E aos trinta, Baixinho entra velozmente na área pelo lado esquerdo.
Sem marcação e também sem bola – e acidentalmente tropeça nas pernas de quem? Acho que do mesmo fantasma, pois ninguém viu – exceto Aristóbulo.
Pênalti.
Segundo pênalti em circunstâncias idênticas.
Algo deveria estar errado!
Mas, quem se ousaria a falar? O time já estava com um a menos!
Mas, Getúlio não suportou e reclamou. E de quebra levou o vermelho, no meio da testa.
A revolta foi geral e mais dois do Fala Mansa foram para o chuveiro!
Agora, estava fácil! Mas, o mais querido não ajudava.
Dois a Zero, e num lance absurdo, pra se livrar da bola., Antônio Grosso, dos visitantes chutou a bola pra cima… E ela morreu no fundo das redes do mais querido!
O goleiro, não esperava, o time não esperava…e Aristóbulo não esperava.
Acréscimo 3 minutos.
O mais querido foi pra cima, 2×1 no placar, quatro jogadores a mais…era tudo ou nada!
A pressão foi terrível…e naquelas maravilhas do futebol, Garotinho chuta a última bola, cruzada, o jogo iria para os pênaltis…
E a bola corre para fora no que seria o último lance da partida…
Ninguém para esticar a perna e colocar pra dentro…
E Aristóbulo, como um atleta, deu o seu último pique e se atirou como um herói… Deslizando no gramado do mais querido e como um artilheiro, colocando a bola pra dentro e apitando abruptamente o final do jogo, saindo pra comemorar com os jogadores…
Não houve quem reclamasse, todos inclusive os dirigentes do futebol amavam o mais querido, não haveria possibilidade de mudar!
E nas fotos do título, Aristóbulo realizava seu sonho:
A cidade estava agitada com a chegada das novas eleições.
O cenário era de Copa do Mundo, ruas enfeitadas com santinhos e cartazes daqueles rostinhos que nem Photoshop e nem promessas de campanha conseguiriam harmonizar.
Mas, dessa vez, havia um probleminha: eram dois candidatos muito queridos pela população e, o pior, eram honestos e conseguiram grandes avanços na educação, saúde e empregos.
A população comemorava, mas estava angustiada por causa das dúvidas.
E agora: os dois candidatos à reeleição são exatamente idênticos, conseguiram os mesmos números, não perseguiram adversários políticos e dividem exatamente a mesma quantidade de votos válidos. Não é empate técnico, é exatamente um empate!
Os jornais da cidade não sabiam a quem difamar, isto é, favorecer — não me entendam mal.
Ambos candidatos eram idôneos, e qualquer calúnia significaria o fim do jornal, pois a população consciente não mais consumiria quem propagasse notícias falsas.
O locutor da cidade estava confuso… nunca em sua história estivera impedido de caluniar… isto é, inventar novos fatos.
As praças públicas em dias de comícios pareciam encontros de amigos, pois mesmo que discordassem quanto à opção, todos tinham esse direito!
As canções irritantes de outros períodos eleitorais, de cantores que desperdiçavam seus talentos em canções que irritavam adversários, foram substituídas por versos de campanha.
Pareciam mais promessas religiosas…
E nesta cidade, os candidatos passeavam em praças públicas, não como deuses hipócritas, mas como humanos capazes de enxergar as dificuldades das pessoas.
E agora, quem seria o eleito? Quem venceria a eleição? Não importava quem seria o eleito, a cidade ganharia.
E assim se deu.
No dia da eleição, o morador mais velho da cidade faleceu e, com ele, o voto do empate.
E em sua homenagem, o novo prefeito, o escolhido, inaugurou uma nova praça: Honesto dos Santos. E as pessoas de outras cidades caminham por ela, distraídas… sem entender o porquê da história.