Os carros de som divulgam o evento: um cantor renomado fará um show no pequeno município.
A população, que sente falta de investimentos em esportes, saneamento e educação, se anima com o carisma do artista.
Fico pensando: se cada morador recebesse o valor investido pela prefeitura no show, eles pagariam para vê-lo? – Confesso que tenho minhas dúvidas.
Contudo, as prefeituras no Brasil frequentemente recorrem a este expediente, e a população, que não recebeu educação para pensar criticamente, aplaude o favor.
Após serem seduzidas pela fantasia, retornam satisfeitas ao mundo real de dificuldades, aguardando a próxima distração.
ANALISANDO GASTOS
Em ano eleitoral, prefeitos na Bahia aumentaram significativamente os gastos com a contratação de artistas para os festejos juninos de 2024, totalizando R$ 364 milhões para 3.356 apresentações, com um custo médio de R$ 108 mil por show, mais que o dobro do registrado em 2023.
No ano passado, 210 municípios gastaram R$ 153 milhões para 3.138 shows, com um custo médio de R$ 48,7 mil cada.
Esses dados, provenientes do Painel da Transparência dos Festejos Juninos do Ministério Público do Estado da Bahia, refletem a preocupação com a transparência nas contas públicas, embora 328 dos 417 municípios baianos tenham reportado suas despesas.
GASTOS EXTRAORDINÁRIOS
Um dos casos mais emblemáticos foi o de Banzaê, com uma população de apenas 12 mil habitantes, que gastou R$ 1,78 milhão em shows, um valor superior ao orçamento anual da prefeitura para cultura, que é de R$ 1,23 milhão.
A prefeita Jailma Dantas (PT) justificou que os gastos incluíram um convênio com o governo do estado e outras fontes de receita.
O cantor Wesley Safadão, por exemplo, foi contratado em diversas cidades, somando R$ 8,2 milhões em cachês.
Luís Eduardo Magalhães pagou R$ 1,1 milhão por uma apresentação de Gusttavo Lima, enquanto Candeias gastou R$ 6,1 milhões, evidenciando um aumento em relação aos R$ 3,4 milhões do ano anterior.
A prefeitura de Candeias defendeu que a festa gerou 2.000 postos de trabalho diretos e movimentou a economia local.
Contudo, a questão central não é apenas a legalidade dos gastos, mas sua proporcionalidade em relação ao orçamento das prefeituras e suas prioridades.
O Ministério Público ressaltou que o painel não atesta a eficiência dos gastos, mas busca promover o controle social.
SUPER CACHÊS
A prática de usar verbas públicas para altos cachês de artistas populares, como Gusttavo Lima, tem sido alvo de críticas e investigações, especialmente em um contexto em que muitos municípios enfrentam sérias dificuldades financeiras.
Recentemente, Gusttavo Lima foi investigado por seu envolvimento em um esquema de lavagem de dinheiro e teve bens bloqueados, mas isso não impediu que ele continuasse a faturar com shows pagos por prefeituras, que muitas vezes comprometem suas receitas em áreas essenciais como saúde e educação.
Um estudo revelou que, em 2024, o artista arrecadou R$ 12,3 milhões com prefeituras, afetando diretamente outros investimentos municipais.
Em pequenas cidades, como Mara Rosa (GO), o custo de um show de Gusttavo Lima representou 10,35% do orçamento destinado à cultura, e em Campo Verde (MT), 52,78% do orçamento para a mesma área.
CRÍTICAS
Críticas surgem de moradores e profissionais, como professores, que questionam a priorização de shows em detrimento de necessidades básicas da população.
O uso de verbas públicas para grandes shows em ano eleitoral levanta questionamentos sobre as prioridades das administrações municipais.
O “pix orçamentário” implementado pelo governo de Jair Bolsonaro, que permitiu a liberação de R$ 3,2 bilhões para as prefeituras, intensificou essa prática, dificultando a fiscalização do uso desses recursos.
Além de beneficiários em termos de entretenimento, a cultura popular e a música se tornaram ferramentas políticas, com artistas se posicionando publicamente em eventos que se assemelham a comícios.
OS FATOS
Essa relação entre grandes festas e campanhas eleitorais reforça a prática do “pão e circo”, que distrai a população de questões mais prementes, como investimento em saúde, educação e infraestrutura.
A conclusão é clara: a promoção de grandes shows pelas prefeituras não é um favor à população, mas sim uma estratégia que desvia recursos que poderiam ser utilizados em áreas essenciais.
Se tivessem a opção de escolha, muitos cidadãos optariam por melhorias em serviços públicos ao invés de eventos festivos. Assim, por trás da aparência de benfeitoria, a população é frequentemente enganada.
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