
Redes sociais. Vale a pena?
Minha Experiência no Kwai e no TikTok
Um experimento sobre conteúdo reflexivo nas redes sociais
Com a chegada da data de encerramento das atividades do nosso blog cultural Jeito de Ver -História e Cultura decidi uma nova experiência.
O nosso site prioriza a cultura e as reflexões.
Durante algumas semanas, decidi testar uma hipótese simples: conteúdo reflexivo tem espaço nas redes sociais?
Postei os mesmos textos — sobre paternidade, solidão, música, filosofia — no TikTok e no Kwai. O que descobri foi revelador, preocupante e, no fim, libertador.
O Experimento
Decidi postar vídeos com textos reflexivos em ambas as plataformas, nas mesmas condições, e comparar resultados.
Usei os seguintes textos;
- “E então nasceu uma menina” (sobre paternidade inesperada)
- “Solidão” (reflexão filosófica)
- “O louco e a lua” (poesia)
- “Rosa Negra” (divulgação de talento local)
A meta inicial era alcançar 1.000 visualizações em 30 dias.
E por fim, me desdobrando em mil partes entre trabalho secular, pesquisas e a mais nova experiência… encontrei a resposta.
Os Números
TikTok
- Paternidade: 127 visualizações (3 dias)
- Solidão: 119 visualizações (4 dias)
- Padrão: Todos os vídeos travavam entre 119-127 views
- Engajamento: Baixíssimo
- Conclusão: O algoritmo simplesmente não distribui conteúdo reflexivo
Kwai
- Paternidade: 1.032 visualizações (24 horas)
- Solidão: 1.042 visualizações (24 horas)
- Padrão: Consistentemente ~1.000 views nas primeiras 24h
- Engajamento: 130 curtidas (19,2% de taxa)
- Meta: Alcançada em 1 dia (esperava 30)
Proporção: Kwai performou aproximadamente 8x melhor que TikTok.
Você talvez diga: os números da segunda plataforma são bem superiores ao da primeira, não é verdade?
Mas, vamos aos fatos:
A Descoberta Incômoda: Bots
Ao analisar as notificações do Kwai, percebi padrões suspeitos:
Sinais de comportamento automatizado:
- Nomes como “theusg10”, “mlqq184”, “Osas578”, “tavvsq”
- Perfis com fotos genéricas ou vazias
- Apenas curtidas/compartilhamentos (nunca comentários específicos)
- Horários espaçados mecanicamente
Estimativa conservadora: 60-80% das visualizações no Kwai eram bots.
Realidade ajustada:
- Kwai: ~1.000 views → 300-400 humanos reais
- TikTok: ~120 views → 100-120 humanos reais
Mesmo descontando bots, o Kwai ainda alcançava 3-4x mais pessoas reais. Isso é um fato!
Os Comentários (Poucos, Mas Reveladores)
Entre centenas de curtidas robóticas, alguns comentários genuínos apareceram:
Sobre paternidade:
“me arrependi da minha rejeição mas é difícil” ( se não for real, é um bot bem sentimental! – risos)
Sobre solidão:
“Os outros dizem que eu sou forte, só eu sei que eu tenho que passar”( esse apesar de parecer real, parece um bot bem resiliente!)
Esses momentos — raros, vulneráveis, humanos ou bots bem sentimentais — provavam que o conteúdo tocava quem realmente assistia.
Mas eram gotas no oceano de interações falsas.
Gotas incertas em um oceano real.
O Ambiente Tóxico
Além dos bots, percebi algo mais perturbador:
Kwai e TikTok são dominados por:
- Fake news massivas (impulsionadas por bots partidários)
- Discurso de ódio normalizado
- Insinuações pornográficas disfarçadas
- Polarização extrema (impossível ter diálogo com nuance)
- Analfabetismo funcional (incapacidade de interpretar contexto)
Vamos ao passo três do Experimento;
Caso concreto: A Mecânica da Manipulação
Este episódio recente ilustra perfeitamente como funciona esse ecossistema tóxico.
O contexto:
O presidente, ao abordar o tema do tráfico de drogas, tentou argumentar sobre a relação entre consumo e mercado ilegal.
A fala foi mal articulada — como tantas declarações presidenciais ao longo da história brasileira — e rapidamente virou munição política.
A extrema direita investiu pesadamente em bots para amplificar e distorcer a declaração, transformando um erro de comunicação em trending topic manipulado.
Minha tentativa de diálogo:
Comentei em um dos perfis que exploravam o tema: “Presidentes brasileiros costumam dar declarações infelizes. Lembram quando outro presidente, durante a pandemia, ao ser questionado sobre o número de mortos, respondeu que não podia fazer nada porque ‘não era coveiro’?”
Meu ponto era simples e apartidário: todos os presidentes, independente de espectro político, cometem gafes públicas. Não estava defendendo nem atacando — estava pedindo coerência crítica e contexto histórico.
A reação:
Grupo 1 (partidários de extrema-direita):
Interpretaram minha comparação como “defesa” do presidente atual. Ataques imediatos, sem leitura atenta.
Grupo 2 (analfabetos funcionais):
Não entenderam a analogia. “Por que você está falando de coveiro?” — Incapacidade de conectar dois momentos históricos semelhantes.
Grupo 3 (bots):
Amplificaram automaticamente qualquer comentário que gerasse indignação, independente do conteúdo.
Grupo 4 (pensadores — raríssimos):
Silêncio. Minorias racionais não fazem barulho em ambiente de guerra algorítmica.
O que isso revelou:
Ninguém quis entender. Todos queriam lacrar.
O mundo dos algoritmos não há espaço para:
- Comparações históricas (exigem memória)
- Pensamento crítico equilibrado (não serve à polarização)
- Nuance (algoritmos premiam preto-e-branco)
- Diálogo (só existem trincheiras)
A mecânica da manipulação ficou clara:
- Declaração polêmica (real ou distorcida)
- Investimento em bots (milhares de perfis falsos repetem narrativa)
- Algoritmo amplifica (indignação = engajamento = lucro)
- Consenso artificial (parece que “todo mundo pensa assim”)
- Impossibilidade de contexto (quem tenta é atacado por ambos os lados)
Percebi naquele momento: não estou dialogando com pessoas. Estou alimentando máquinas de raiva projetadas para impedir pensamento.
O nível intelectual médio é baixíssimo. E não é acidente — é projeto sistêmico alimentado por algoritmos que premiam indignação, não reflexão.
A pergunta verdadeira não era: “Meu conteúdo funciona?”
Era: “Vale a pena?”
As Conclusões
1. Conteúdo reflexivo TEM espaço (tecnicamente)
- Kwai prova que algoritmo pode distribuir
- Pessoas reais podem se emocionar e comentar
- Taxa de engajamento genuíno é alta (quando acontece)
2. MAS o espaço é contaminado
- Inflado por bots (números falsos)
- Tóxico por design (fake news, ódio, pornografia)
- Insustentável financeiramente (custo > retorno)
- Destrutivo emocionalmente (ambiente caótico)
3. O problema não é o conteúdo — é a plataforma
- TikTok sufoca reflexão (algoritmo ultra-competitivo)
- Kwai infla artificialmente (bots + sistema de recompensas)
- Ambas priorizam viralidade sobre qualidade
- Ambas são mercenárias (não há lealdade, gratidão ou memória)
4. Há outro caminho
- Livros (permanentes, tangíveis, dignos)
- Leitores de livro ≠ usuários de TikTok
- Qualidade > quantidade
- Paz mental > números inflados
A Decisão
Decidi desinstalar e abandonar definitivamente os aplicativos da experiência.
Vou deixar os vídeos postados — como garrafas lançadas ao mar. Quem se perder naquele caos e tropeçar numa reflexão, talvez encontre algo que o ajude a crescer.
Apenas desinstalarei os aplicativos.
Não com raiva. Não com frustração.
Com clareza.
Com a certeza de que a experiência valeu a pena.
Conclusão
Há sempre algo a aprender. E…
Sobre redes sociais:
- São ferramentas, não comunidades
- Algoritmos premiam o pior da humanidade
- Números são ilusões (bots, manipulação, efemeridade)
- Não se planta orquídeas em pântano
Sobre conteúdo reflexivo:
- Tem valor — mas precisa do público certo
- Comentários profundos > curtidas automáticas
- 10 leitores atentos > 10.000 scrollers compulsivos
- Livros são o formato correto para profundidade
Sobre mim:
- Não preciso de aprovação algorítmica
- Posso encerrar ciclos com dignidade
O Futuro
Vou focar no que importa:
✍️ Segundo livro: Crônicas do Cotidiano: Para Continuar a Estrada
(Sobre as mudanças que precisamos aceitar para continuar vivendo com qualidade)
🌐 Encerramento do site: Com dignidade, preservando memória cultural local, mas removendo contos e reflexões pessoais (que serão exclusivas do livro)
📖 Legado: Obra permanente, não posts efêmeros
Mensagem Final
Se você está lendo isso, provavelmente se pergunta a mesma coisa que eu me perguntei:
“Meu trabalho tem valor nesse mundo digital caótico?”
Resposta: Sim. Mas talvez não onde você está procurando.
Não desista do conteúdo. Desista da plataforma errada.
Não brigue com algoritmos. Construa algo permanente.
Não se contamine com toxicidade. Preserve sua paz.
A estrada é longa. Para continuar nela, às vezes precisamos mudar de caminho.
Gilson Cruz
Autor de “Crônicas do Cotidiano”
Iaçu, Bahia
2025
Nota técnica
Dados do experimento completo:
| Métrica | TikTok | Kwai | Proporção |
|---|---|---|---|
| Views médias | 120 | 1.000+ | 8,3x |
| Humanos reais (estimado) | 100-120 | 300-400 | 3-4x |
| Bots (estimado) | 10-20% | 60-80% | — |
| Comentários genuínos | 0-1 | 2-3 | — |
| Taxa engajamento real | <5% | 10-15% | — |
| Custo emocional | Médio | Alto | — |
| Sustentabilidade | Não | Não | — |
Conclusão científica: Conteúdo reflexivo alcança mais pessoas no Kwai, mas ambiente tóxico e inflação por bots tornam ambas plataformas inadequadas para trabalho sério de longo prazo.
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