Gilson Cruz
Apresentação
Neste texto, convido você a mergulhar em uma memória que poderia ser de qualquer um de nós: a primeira paixão, silenciosa, platônica, guardada entre versos e melodias nunca revelados.
A narrativa percorre as emoções de um adolescente tímido, que transforma a presença da professora em inspiração para poemas e canções, enquanto enfrenta a angústia silenciosa das quintas-feiras, as despedidas dos amigos e a inevitabilidade das mudanças que marcam o fim de um ciclo escolar.
Mais do que uma história de amor não correspondido, é um retrato delicado sobre o amadurecimento, as pequenas perdas que moldam quem somos e a beleza, ainda que dolorida, de se lembrar dos sentimentos que nos fizeram escrever, sonhar e, acima de tudo, viver intensamente cada estação da juventude.
Boa leitura!
No início, as pernas tremiam
As pernas tremiam quando ela entrava na sala de aula.
Ele não sabia, mas talvez a adolescência ainda existisse, embora disfarçada, atrás das lentes daqueles óculos para corrigir um pouco daquela miopia.
As “quintas-feiras” de Primavera, eram terríveis!
Ele tinha que suportar, já na aula de entrada a voz doce daquela – que em qualquer outro lugar, seria uma jovem linda, uma paixão e que naquela hora era nada menos que a sua professora.
As aulas eram chatas, a voz dela era doce, mas ela vivia insistindo para que ele desse mais atenção às aulas.
O misto de emoções parecia irreal.
No outono, acontecem as paixões, diziam os colegas em tom de brincadeira entre as aulas de histórias, ciências e biologia.
Mas, não é que havia um pouco de verdade?
Alunos se apaixonarem por professores, não era tão incomum.
Ele era tímido, introvertido, mas para ela, ele criava seus melhores versos, inventava novas canções – e sonhava com o momento de mostrá-las – ainda que sabendo, lá no fundo, que não haveria chance alguma de algo acontecer.
E o fim de mais um ano…
E as aulas continuaram, o inverno passou, as brincadeiras juvenis se tornavam menos intensas e depois de longos meses, chegaria a hora de se despedir daquela turma, daquela escola e dela, a razão dos versos.
Abraços, adeus…todos contentes.
Emanuel, seu melhor amigo, abraçaria a História, Romualdo se dedicaria a Educação Física, Cida iria para o Sul, Dalva para a França… todos caminhariam em estradas diferentes.
Melhores amigos se despediam e prometiam sempre enviar notícias – mas, a vida prega essas peças.
Alguns foram para longe e o tempo não lhes permitiu enviar as esperadas lembranças, notícias…
Outros se foram, pois os imprevistos acontecem mesmo aos jovens… não tiveram tempo de dar um último abraço, como o Augusto que desistiu de viver, e que jamais fora entendido por alguém.
Mas, naquele momento de despedidas, sentia a falta da jovem Professora.
Estava num misto de alegria e tristeza por se despedir, por ver mais um fim de ano.
E ele decide apresentar os versos
Estava livre agora para conversar com aquela que fora a inspiração das músicas e poemas.
E ainda, na última Sexta-feira, de um Dezembro qualquer, ele organizava seus versos…
Ensaiava suas últimas canções.
Se preparava apenas para um muito obrigado, ainda que meramente formal… e poder se desiludir, então.
E naquela noite, logo após a lua brilhante do novo verão iluminar o leste da cidade, apanhou seu violão e se dirigia, caminhando pelos trilhos até o caminho que levavam à porta mais distante do mundo.
Cada passo pesava toneladas e cada segundo eram séculos vividos até a esquina que dava na rua das Rosas.
E cruzando a esquina, vira de longe um carro.
E do carro descia aquele que falava as palavras que ele desejava falar, e planejar o futuro que ele sonhou por todo um ano…
No momento em que ele chegava, seus olhinhos verdes brilhavam e seus lábios riam enquanto andava alegremente para abraçá-lo.
Abraçar aquele a quem ela amava e de quem certamente ouviria as palavras, que ela desejava ouvir.
Olhando à distância, ele desiludido, via a razão dos seus versos também entrar no carro e saírem.
Não houve lágrimas. E o caminho de volta se tornara longo…
A lua agora iluminava as suas costas e o velho Di Giorgio tinha o peso do mundo.
Naquela noite não haveria músicas ou poemas, até porque num tropeço, o braço do seu violão favorito, se quebrava em dois.
Desempregado, não podia comprar outro…ser jovem, era outro nível!
As músicas cessaram naqueles dias.
E um novo ano se aproximava.
Haveria novas turmas, novos professores e diferentes paixões.
E a vida continuaria. Ele certamente encontraria alguém e amaria, e quem sabe voltaria a escrever novos versos…
Mas, ainda lembraria daquele violão, que o acompanhava nas madrugadas de composições para a sua paixão adolescente, e daqueles meses e sentimentos, que findariam também. No fim das aulas – num verão.
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