Versos sem destino ( um conto )

Um belo conto sobre amor platônico. Divirta-se.

Imagem de Tumisu por Pixabay

Gilson Cruz

Apresentação

Neste texto, convido você a mergulhar em uma memória que poderia ser de qualquer um de nós: a primeira paixão, silenciosa, platônica, guardada entre versos e melodias nunca revelados.

A narrativa percorre as emoções de um adolescente tímido, que transforma a presença da professora em inspiração para poemas e canções, enquanto enfrenta a angústia silenciosa das quintas-feiras, as despedidas dos amigos e a inevitabilidade das mudanças que marcam o fim de um ciclo escolar.

Mais do que uma história de amor não correspondido, é um retrato delicado sobre o amadurecimento, as pequenas perdas que moldam quem somos e a beleza, ainda que dolorida, de se lembrar dos sentimentos que nos fizeram escrever, sonhar e, acima de tudo, viver intensamente cada estação da juventude.

Boa leitura!

No início, as pernas tremiam

As pernas tremiam quando ela entrava na sala de aula.
Ele não sabia, mas talvez a adolescência ainda existisse, embora disfarçada, atrás das lentes daqueles óculos para corrigir um pouco daquela miopia.

As “quintas-feiras” de Primavera, eram terríveis!
Ele tinha que suportar,  já na aula de entrada a voz doce daquela – que em qualquer outro lugar, seria uma jovem linda, uma paixão e que naquela hora era nada menos que a sua professora.

As aulas eram chatas, a voz dela era doce, mas ela vivia insistindo para que ele desse mais atenção às aulas.

O misto de emoções parecia irreal.

No outono, acontecem as paixões, diziam os colegas em tom de brincadeira entre as aulas de histórias, ciências e biologia.

Mas, não é que havia um pouco de verdade?

Alunos se apaixonarem por professores, não era tão incomum.
Ele era tímido, introvertido, mas para ela, ele criava seus melhores versos, inventava novas canções – e sonhava com o momento de mostrá-las – ainda que sabendo, lá no fundo, que não haveria chance alguma de algo acontecer.

E o fim de mais um ano…

E as aulas continuaram, o inverno passou, as brincadeiras juvenis se tornavam menos intensas e depois de longos meses, chegaria a hora de se despedir daquela turma, daquela escola e dela, a razão dos versos.

Abraços, adeus…todos contentes.

Emanuel, seu melhor amigo,  abraçaria a História, Romualdo se dedicaria a Educação Física, Cida iria para o Sul, Dalva para a França… todos caminhariam em estradas diferentes.

Melhores amigos se despediam e prometiam sempre enviar notícias – mas, a vida prega essas peças.
Alguns foram para longe e o tempo não lhes permitiu enviar as esperadas lembranças, notícias…

Outros se foram, pois os imprevistos acontecem mesmo aos jovens… não tiveram tempo de dar um último abraço, como o Augusto que desistiu de viver, e que jamais fora entendido por alguém.

Mas, naquele momento de despedidas, sentia a falta da jovem Professora.
Estava num misto de alegria e tristeza por se despedir, por ver mais um fim de ano.

 

E ele decide apresentar os versos

Estava livre agora para conversar com aquela que fora a inspiração das músicas e poemas.

E ainda, na última Sexta-feira, de um Dezembro qualquer, ele organizava seus versos…
Ensaiava suas últimas canções.
Se preparava apenas para um muito obrigado, ainda que meramente formal… e poder se desiludir, então.

E naquela noite, logo após a lua brilhante do novo verão iluminar o leste da cidade, apanhou seu violão e se dirigia, caminhando pelos trilhos até o caminho que levavam à porta mais distante do mundo.

Cada passo pesava toneladas e cada segundo eram séculos vividos até a esquina que dava na rua das Rosas.

E cruzando a esquina, vira de longe um carro.
E do carro descia aquele que falava as palavras que ele desejava falar, e planejar o futuro que ele sonhou por todo um ano…

No momento em que ele chegava, seus olhinhos verdes brilhavam e seus lábios riam enquanto andava alegremente para abraçá-lo.

Abraçar aquele a quem ela amava e de quem certamente ouviria as palavras, que ela desejava ouvir.

Olhando à distância, ele desiludido, via a razão dos seus versos também entrar no carro e saírem.

Não houve lágrimas. E o caminho de volta se tornara longo…

A lua agora iluminava as suas costas e o velho Di Giorgio tinha o peso do mundo.

Naquela noite não haveria músicas ou poemas, até porque num tropeço, o braço do seu violão favorito, se quebrava em dois.
Desempregado, não podia comprar outro…ser jovem, era outro nível!

As músicas cessaram naqueles dias.

E um novo ano se aproximava.
Haveria novas turmas, novos professores e diferentes paixões.
E a vida continuaria. Ele certamente encontraria alguém e amaria, e quem sabe voltaria a escrever novos versos…

Mas, ainda lembraria daquele violão, que o acompanhava nas madrugadas de composições para a sua paixão adolescente, e daqueles meses e sentimentos, que findariam também.  No fim das aulas – num verão.

 

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Veja também Caminhos de ferro ( Um conto) ‣ Jeito de ver

 

Amar novamente (acreditar sempre)

Investir num relacionamento é valorizar o humano. Como amar e amar sempre?

Imagem de Karen Warfel por Pixabay

Investir num Relacionamento Duradouro Tem Seus Desafios

O que, no começo, parece ser uma eterna primavera, toma contornos de cinza quando se percebe que a pessoa ao nosso lado também é cheia de defeitos! O fato é que todos nós temos nossos próprios vícios e virtudes, e alguns desses vícios podem ser estranhos a quem não tem a mesma formação, cultura e objetivos.

Por exemplo, algumas pessoas amam mostrar para toda a vizinhança a música que estão curtindo (mesmo quando não são solicitados), ao passo que outras preferem algo mais intimista e se irritam com volumes altos. Pode ser um desafio chegar a um ponto em comum, mesmo em algo tão simples.

Outro desafio comum é apaixonar-se pela aparência física de alguém e viver na ilusão de que a pessoa será assim para sempre. O fato, mais uma vez, é que com o tempo as pessoas mudam. Os traços da juventude amadurecem e aquele frescor de beleza toma agora contornos de uma beleza mais madura, realçada pela experiência vivida.

Entender esse ponto nem sempre é fácil, visto que vivemos numa sociedade escrava das aparências. Em especial, as mulheres são, na maioria das vezes, as mais impactadas pelas regras ocultas desta nova/velha sociedade.

Por exemplo, em novelas e filmes, é muito comum ver mulheres jovens contracenando ou fazendo pares românticos com homens bem mais velhos. Algumas atrizes já disseram em entrevistas que, uma vez que ficam mais velhas, perdem protagonismo nesta área da arte. Enquanto homens mais velhos são valorizados pela experiência, as mulheres mais velhas são criticadas por não conservarem a mesma aparência. No filme Top Gun: Maverick, por exemplo, eram comuns os elogios à boa forma física de Tom Cruise, enquanto a atriz Kelly McGillis, com uma aparência mais madura, recebeu comentários críticos e desnecessários.

Triste dizer, mas isso é apenas um reflexo do dia a dia. Isso acontece quando as pessoas deixam de valorizar a personalidade e se concentram apenas na beleza fugaz.

A Sociedade e as Expectativas Sobre a Aparência

A sociedade moderna está profundamente ligada à aparência e muitas vezes não dá espaço para a evolução natural das pessoas. As mudanças físicas, que são naturais e inevitáveis, muitas vezes se tornam um obstáculo para aqueles que esperam ver sempre a mesma pessoa. Isso é especialmente visível no tratamento dado às mulheres, que, à medida que envelhecem, enfrentam uma pressão ainda maior para manter uma imagem juvenil.

A mídia, por meio de filmes e novelas, reforça esses padrões ao valorizar homens mais velhos, associados à experiência e à sabedoria, enquanto as mulheres mais velhas são muitas vezes marginalizadas ou desvalorizadas por não atenderem aos padrões estéticos da juventude. Essa discrepância causa uma pressão desnecessária e contribui para um ciclo de insegurança que afeta a autoestima de muitas mulheres.

Problemas acontecem

Analise a história de alguém que chamaremos de Marta. Seu relacionamento com Carlos começou quando ela tinha aproximadamente 17 anos. Carlos era o homem dos seus sonhos: bonito, educado, paciente e trabalhador. Marta era uma menina cheia de sonhos, linda, alegre e excelente professora.

Ambos sonhavam com filhos, mas infelizmente alguns problemas os impediam. Investiram tempo e dinheiro em um tratamento que finalmente deu resultados, e ela engravidou. As expectativas aumentaram, assim como a ansiedade e a depressão de Marta, que temia que algo pudesse frustrar seus planos.

Enfim, uma linda criança nasceu! Mas Marta agora enfrentava um novo desafio. Seu corpo mudara, ela teve depressão pós-parto e enfrentou comentários que, embora bem-intencionados, aprofundavam ainda mais sua depressão e sentimentos de inutilidade. Até mesmo Carlos deixou de enxergar toda a batalha que haviam travado para alcançar o objetivo de ter um filho.

Observe que as maiores dificuldades estavam nas mãos de Marta. Carlos, ainda que involuntariamente, a maltratava ao dizer que sentia falta da jovem linda que conheceu aos 17 anos, que não era mais a mesma, pois não tinha a mesma aparência. O pobre Carlos não percebia que ele também não tinha mais a mesma aparência — as mudanças físicas acontecem a todos.

E que mais importante, naquele momento, era ver que, além dos lindos traços no rosto de Marta, havia uma mulher linda e agora mais madura.

Alguns talvez pensem: “Ela sabia que era assim. Que ele gostava da aparência física que ela apresentava!” Certo, mas ninguém precisa ser um idiota pra sempre, não é verdade? (Risos)

Valorizar o Humano e os Desafios da Saúde Mental

Investir num relacionamento é valorizar o humano. E quando a pessoa que amamos sofre de depressão, crises de ansiedade e outros males deste século terrível? As pessoas que amam têm essa incrível mania de acreditar que nunca devem desistir!

Em vez disso, farão o possível para tornar mais leves e suportáveis as pressões do dia a dia. Fazem isso porque estão dispostas a ouvir sem tecer julgamentos precipitados, a colocar-se no lugar do outro e, principalmente, a separar os sintomas da doença da verdadeira personalidade da pessoa.

Investir num relacionamento tem seus desafios, é verdade. Mas, à medida que cada desafio é superado, maior se torna o vínculo e a sensação de realização — de sucesso! Realmente, amar vale a pena!

Gilson Cruz

Leia mais em :E quando a infidelidade acontece? – Jeito de ver

As pessoas que amam, tem essa incrível mania de acreditar,  não desistem nunca!

A menina que falava de Anne Frank.

Lápide de Anne Frank. Como o entusiasmo de uma menina me fez reler um livro?

Imagem de meisterhaui por Pixabay

Uma Conversa

Alguns livros ganham uma profundidade extra quando alguém os conecta à sua própria realidade, revelando nuances que talvez tenham passado despercebidas anteriormente.

Há tempos, voltando tarde das aulas de inglês, no silêncio quase meia-noite do transporte da Prefeitura, uma estudante se sentou ao meu lado e compartilhou seus planos para o futuro. Seu modo cativante e otimismo eram inspiradores.

Ela falava dos sonhos de cursar Direito, de cuidar das pessoas e de outras ambições, e eu me maravilhava: “Como pode haver espaço para tantos sonhos dentro de alguém tão sereno?”

Naquela conversa, redescobri um pedaço de mim mesmo. Na minha juventude, entre poesias e músicas, sonhava com a profissão mais inspiradora: ser professor e ajudar a trilhar caminhos.

Eu estava sem palavras, ciente do esforço daquela pequena cansada para se manter acordada.

E então, ela me disse: “Estou lendo um livro que está mexendo muito comigo, você conhece a história de Anne Frank? Estou lendo O Diário de Anne Frank!”

O entusiasmo dela me fez esquecer o cansaço. Pedi que me contasse mais. Ela descreveu a avançada Anne Frank, sua paixão por filmes, o sonho de ser atriz e sua decisão de registrar sua rotina em “Kitty”, o nome que deu ao seu diário. Falou das experiências da jovem durante o período de confinamento, suas paixões, medos e incertezas sobre o futuro.

Mesmo sem chegar ao fim do diário (a menina temia este momento), ela já conhecia o resumo da história (e eu também!). As luzes da cidade se aproximaram enquanto agradeci por tornar a viagem mais agradável.

Prometemos falar mais sobre o livro, mas eu sabia que, ao concluir meu curso, isso dificilmente aconteceria. Ao chegar em casa, algo me instigava: “Por que não reler O Diário de Anne Frank?”

Redescobrindo Anne Frank e a Natureza Humana

E assim o fiz.

Cada palavra no diário ganhou uma nova vida, cada momento e experiência me ensinaram uma nova lição. Comecei a questionar menos sobre a maldade das pessoas e mais sobre como pequenos atos podem dar significado ao mundo.

Não, não vou contar o que está no diário ou narrar a história de Anne Frank. Recomendo que você mesmo o faça. Leia, pense na natureza humana e no quanto ainda precisamos aprender.

Gilson Cruz

Veja mais em: O tempo ( Contador de histórias) – Jeito de ver.

Palavras de 2023 – o ano que passou! ‣ Jeito de ver

Amar novamente… ( e sempre)

Alguém solitário num banco. É possível amar novamente após uma perda ?

Imagem de Melk Hagelslag por Pixabay

“Foi Deus que fez a gente, somente para amar… só para amar!”

Foi Deus Quem Fez Você – Canção de Luiz Ramalho, 1980, interpretada por Amelinha.

Os mais românticos costumam dizer:

  • “Só se ama uma vez na vida!”

Embora exista uma verdade por trás destas palavras, o fato é que é possível amar várias vezes na vida.

Parece contraditório? Explicamos…

A verdade é que o amor é um sentimento complexo e pode se manifestar de diversas maneiras ao longo da vida. Não deve ser confundido com paixão ou fascínio, que, por vezes, são definidos como uma “falsificação” do amor, por se basearem em coisas superficiais e passageiras.

Como o amor é algo mais maduro, ele se desenvolve em momentos distintos, com diferentes intensidades e direções.


Amor e suas nuances no cinema

Para entender melhor, vamos relembrar dois clássicos do cinema (com um pouco de spoiler!):

O clássico de 1970, Love Story (Uma História de Amor), conta a história de Oliver, um jovem de família rica inglesa, sem muita graça ou objetivos na vida, que se apaixona por Jennifer, uma jovem estudante de música. Eles se casam.

Os pais de Oliver são contra o relacionamento, pois Jennifer é de família humilde, e deserdam o filho.

O casal tenta ter um filho, sem êxito, e, ao realizarem exames, descobrem uma doença gravíssima em Jennifer. Essa doença tira sua vida. (Eu falei que teria spoiler! Mas, mesmo assim, vale a pena assistir ao drama; há muitas lições!).

O filme A História de Oliver (1978) pode ser descrito como uma continuação de Love Story e mostra os desafios de um amadurecido Oliver à frente dos negócios da família, enquanto aprende a amar novamente. (O drama também merece atenção!).

Esses filmes mostram as dificuldades de amar e amar novamente após uma perda.


A vida precisa seguir: amar é natural

Na vida real, algumas pessoas que perderam quem amavam podem nutrir sentimentos de culpa ao desenvolverem sentimentos românticos por outro alguém e, muitas vezes, sabotam a si mesmas. Não se permitem uma nova chance.

Amar faz parte da natureza humana, embora vivamos num tempo em que os relacionamentos são frequentemente marcados pela falta de substância, de compromisso, e a experiência de amar é confundida com a satisfação instintiva dos próprios desejos.

Mas não é sobre este tipo de relacionamento que estamos falando aqui.

Falamos sobre o compromisso entre duas pessoas, em que ambas têm um sentimento de pertencimento, sem culpa e sem pressão.

Algumas pessoas amaram tanto que, após a morte da pessoa amada, acreditam ter vivenciado o amor eterno e não desenvolvem mais sentimentos românticos ou desejos por mais ninguém – e são felizes assim!

Embora seja difícil resistir à tentação de julgar, quem somos nós para determinar o que é bom para os outros, não é verdade?

Outras pessoas passam a desenvolver sentimentos, mas temem reviver experiências dolorosas ou esquecer a pessoa que ocupou um espaço tão importante em suas vidas.

Mas a vida precisa ser vivida.

Não há erro em tentar!

Nessa situação, a pessoa não deve se sentir culpada. Querer amar alguém é algo natural, e passar a gostar de outra pessoa não significa que o primeiro amor não foi verdadeiro.

Cada pessoa é diferente, e cada uma é amada por motivos distintos. À medida que vivemos novas experiências, crescemos e mudamos, e, com isso, nossas capacidades de entender e amar também evoluem.

Portanto, é vital entender que vivemos em constante aprendizagem. Na vida, podemos amar pessoas diferentes por motivos distintos – e isso também será amor. Não significa apagar uma história vivida, mas dar continuidade àquilo que é essencial: a vida.

Gilson Cruz

Veja mais em Amar novamente (acreditar sempre) – Jeito de ver

Um lugar pra nós (em meu coração)

Um banco solitário. Uma poesia sobre a saudade, esperança e a solidão.

Imagem de Dieter Staab por Pixabay

Um lugar pra nós

Criei um lugar pra nós,
Onde te vejo sorrindo.
E sei que, quando desperto,
Você não está indo… partindo.

Neste lugar, te encontro,
E andamos nos mesmos jardins.
Mas, tal lugar só existe,
Perdido dentro de mim?

Um lugar pra nós,
Longe da solidão,
Muito além da tristeza,
Ao alcance das mãos.

De braços abertos a esperar,
E caminhar novamente
Nesse mesmo lugar
Onde te encontro, contente.

De volta aos sonhos,
Onde podemos sonhar.
E de volta à realidade,
Me diz: onde encontrar?

Ao abrir os olhos,
Tudo que vejo é você.
Apesar de apenas nos sonhos,
O quanto ainda resta viver?

Um lugar pra nós,
É tudo que imaginei:
Sem pressa, sem medo de ser,
Esse mundo eu criei.

Te vendo sorrindo,
E num minuto a sós,
Beijaria teu rosto,
Não soltaria as tuas mãos…

Neste lugar para nós.

Gilson Cruz

Leia mais em:  O tempo ( Contador de histórias) – Jeito de ver