O último calendário – uma crônica

Uma crônica bem humorada, sobre a importância dos calendários. Leia e divirta-se.

Imagem de Dorothe por Pixabay

 

Gilson Cruz

O último calendário

Por mais estranho que pareça, o novo calendário não trazia meses, dias…estava completamente em branco!

A cidade entrou em pânico, pois agora como seriam determinadas as estações do ano, a melhor época para o plantio e os feriados?

Como lembrar aniversários, compromissos?

Num frenesi, a multidão saía na busca do responsável!

” Ele vai ter que se explicar” – diziam os mais exaltados.

Mas o que ninguém notava ainda era que até os relógios haviam parado. Não havia mais a contagem do tempo!

A turma da fofoca dizia:” E agora, daqui a uns dias ninguém mais vai saber a idade de ninguém!”

As crianças ficaram felizes: “Agora ninguém mais vai saber a hora de ir praquela escola”! (Verdade, para eles o conceito de eternidade foi inventado nas aulas de filosofia da Pró Ritinha. Pareciam intermináveis!)

Enquanto isso, os noivos entraram em desespero ao perceberem que perderiam a data de seu casamento.

Descabelavam-se: “Esquecer festas, datas e agora?”

“Com o tempo, a gente se acostuma” – Diziam outros…

O óbvio

Todos previam a tragédia. Era o Fim dos tempos!

E enquanto previam o caos …

esqueciam de reinventar “o próprio calendário!”

 

Palavras de 2023 – o ano que passou! ‣ Jeito de ver

 

 

Retratos da vida – o que deixamos passar

Gilson Cruz

A Superficialidade do Cotidiano

Falar sobre tristeza é complicado. Ouvir sobre ela pode ser ainda mais desafiador.

A rotina mecânica do dia a dia nos acostumou a buscar contentamento em coisas superficiais: a TV ligada enquanto arrumamos a casa, o rádio ao fundo com murmúrios que já não nos despertam interesse. As letras e músicas se tornaram meros acompanhamentos para nossas tarefas diárias.

É triste perceber como antigas fotografias, agora, evocam uma felicidade incerta. A lembrança da casa na praia, da família reunida, das crianças tagarelando e dos pais resmungando sob o calor intenso traz um sentimento de felicidade passada. O sol de verão, as risadas… a foto ainda é linda.

Mas o passado parece se assemelhar ao presente de maneira vívida, exceto pela ausência de alguns sorrisos na próxima foto. Assim tem sido a vida. Os momentos bons e antigos parecem congelados no tempo.

A Automação das Emoções

Vivemos de forma automática. Ignoramos aqueles e aquilo que consideramos menos relevantes no momento. Deixamos de responder a quem se importa conosco e, quando essas pessoas se vão, talvez finjamos ou realmente nos sintamos tristes.

Falar sobre tristeza não é simples. Assim como não foi para um homem que se aposentou após anos de trabalho árduo e descobriu uma doença, percebendo que talvez não desfrutaria seus últimos anos como planejara: ao lado da mulher amada, com menos preocupações, sem a angústia do hoje e a incerteza do amanhã.

Ou para um amigo que, ao sair do consultório médico, chorava e murmurava: “É a vida… o pobre vive para trabalhar. E quando velho, a cura é o buraco (a cova)!”

Sem palavras, os dois se abraçavam, incapazes de oferecer consolo além de concordar um com o outro.

Histórias Que Passam Despercebidas

Enquanto os ouvia, eu tentava encorajá-los a não desistir, embora soubesse que palavras de conforto não corrigem injustiças.

E os últimos dias deles seriam uma luta para encontrar plenitude, mesmo nos momentos finais, ao lado da amada que os acompanhou por tantos anos. Seriam dias para lembrar de um passado guardado na carteira, em uma foto preto e branco de um jovem casal, no dia do noivado, repleto de sonhos, risadas e olhares enamorados para a câmera.

Essas histórias se desenrolam todos os dias, enquanto nós, ocupados demais para pensar e demasiadamente egoístas para além de nossos próprios problemas, deixamos passar despercebidos os momentos e as pessoas. Agimos como se fossem eventos secundários na televisão, enquanto mecanicamente cuidamos das tarefas em nossas casas.

Veja mais em Vamos falar de amor? (Muito além da paixão) › Jeito de ver

Surfando na Política – Ondas da Manipulação

Muitas pessoas surfam na onda política por tirar proveito dos movimentos e tendências. De que maneiras?

Imagem de Renato Laky por Pixabay

Gilson Cruz

Antecipando a Onda

Dominar a arte de antecipar e aproveitar as ondas é uma habilidade dos surfistas experientes.

A topografia, a profundidade das águas e a transferência de energia do vento para a superfície criam movimentos circulares que geram ondas.

Os surfistas experientes compreendem que, dependendo da força e direção do vento, encontrarão a onda perfeita.

Essa previsão também é evidente em outros campos:

No mercado financeiro, quando certas ações valorizam, mais investidores se interessam por elas.

Na música, o sucesso de um estilo leva outros artistas a seguirem a mesma tendência, criando aquela sensação de “já ouvi isso antes”.

Na política, não é diferente. Observe a história:

Com o destaque das denúncias de corrupção na mídia, surgiram figuras políticas autodenominadas antissistema e incorruptíveis.

O cultivo da popularidade dessas figuras, baseado no sentimento anticorrupção, provocou um estranho tipo de patriotismo invertido.

Falso Patriotismo – A nova onda

Tradicionalmente, o patriotismo é o orgulho, amor e devoção à pátria. No entanto, essa nova vertente exaltava os EUA enquanto desdenhava do próprio país com declarações xenófobas.

Esse “Novo Patriotismo” foi associado ao Fascismo devido às semelhanças com a ideologia Nazista.

Percebendo os ventos políticos, velhos políticos adotaram discursos similares e apoiaram aqueles destacados pela mídia como a “Nova Onda”, apesar de já estarem na política há décadas sem projetos significativos.

Seu discurso misogíno e racista foi amplificado pela mídia, conquistando seguidores que acreditavam em sua defesa da família e do Brasil contra ameaças comunistas. (Mais sobre comunismo em posts futuros).

A onda de políticos “defensores da família” atingiu níveis inimagináveis.

Políticos sem propostas específicas surgiram, misturando pautas religiosas ao estado laico e defendendo a liberação de armas, além de apoiarem um orçamento secreto controverso.

Nesse embalo, personalidades famosas do YouTube aproveitaram o movimento.

A derrocada moral

Durante esse governo, uma pandemia ceifou mais de 700 mil vidas. Enquanto famílias sofriam, o líder eleito brincava, imitando os sintomas da Covid-19.

O rombo na economia, estimado em 430 bilhões, disparou para 800 bilhões.

O líder que se vendia como incorruptível viu seu nome envolvido com milicianos, tentativas de intimidar o Supremo Tribunal Federal e esquemas de corrupção. Gradativamente, direitos trabalhistas foram perdidos sob a justificativa de geração de empregos, o que não se concretizou.

Na mesma onda, líderes religiosos abandonaram valores cristãos e fortaleceram sua participação política sem melhorias significativas para os fiéis ou não fiéis.

Em 2022, houve tentativas de sabotar o resultado da eleição seguinte, intensificando inspeções de veículos de eleitores, mas o candidato adversário saiu vitorioso.

Após essa história, observe a nova onda:

Em 8 de janeiro de 2023, pessoas usadas por financiadores de um novo golpe de estado invadiram a Esplanada dos Três Poderes em Brasília, destruindo o que puderam.

A rápida intervenção resultou na prisão de mais de mil baderneiros, ainda em julgamento por atentados contra a pátria.

A comoção entre os apoiadores do golpe, cerca de 30% da população, ergueu “heróis” que destruíram o patrimônio público em nome de um amor questionável à pátria.

Essa ação gerou uma nova categoria de indivíduos – os “Patriotas Destruidores”.

A ampla comoção entre os apoiadores do golpe, representando cerca de 30% da população do país, elevou esses indivíduos a “heróis” devido aos atos de vandalismo.

Essa minoria ruidosa nas redes sociais cria a ilusão de ser maioria, embora, na realidade, não o seja.

Surfando na nova onda política

Diante das próximas eleições que se aproximam, políticos estão se preparando para surfar nessa onda e já se apresentam como defensores dos “patriotas” que “lutaram” pela pátria.

Alguns encenam emoções, vendendo imagens de preocupação pelos “presos políticos”, o que é uma falácia.

Esses indivíduos foram presos por destruição do patrimônio público, vandalismo e tentativa de golpe. No entanto, não derramaram lágrimas pelas mais de 700 mil vítimas da pandemia.

Surfistas nanicos

Enquanto a onda ganha forma, surgem personagens bizarros, como um indivíduo preso que alega não encontrar mais prazer na vida, recusando-se a tomar banho ou se alimentar, e pede para ser novamente encarcerado, desafiando as leis do país.

Um verdadeiro patriota respeitaria as leis, reconhecendo que estas existem para regular as relações entre os cidadãos, estabelecendo a ordem.

Surpreenderia se tal “patriota” se candidatasse a um cargo político nas próximas eleições? Não, pois essa é a direção da onda.

Recentemente, um militar da reserva ganhou destaque nas redes sociais por desafiar juízes, ministros e difamar o presidente eleito. Posteriormente, em um suposto pedido de desculpas, repetiu as mesmas acusações sem provas, popularizando-se e rebaixando o debate ao nível da lacração, acusações infundadas e fake news.

Essa popularidade distorce o propósito do diálogo político e da negociação transparente.

Não seria surpresa vê-lo como um dos muitos candidatos em futuras eleições.

Quebrando a Onda

Alguns fatores podem quebrar uma onda no mar, como a profundidade da água e a intensidade do vento.

Quando uma onda se aproxima de águas mais rasas, sua base começa a desacelerar devido ao atrito com o fundo, resultando na quebra da onda.

Da mesma forma, para diminuir a força da onda em que esses indivíduos surfam, pode ser necessário reduzir a importância atribuída a eles. Evitar a divulgação de conteúdos falsos pelos meios de comunicação pode ajudar a quebrar essa onda, embora, muitas vezes, isso só aconteça mediante multas, o que é lamentável.

A onda também pode ser quebrada pela intensidade do vento. Ventos fortes desaceleram o topo da onda, fazendo-a inclinar e quebrar.

Os veículos de comunicação precisam redobrar os esforços para combater as fake news, identificando e denunciando suas origens para desacelerar seu impacto.

Porém, infelizmente, alguns veículos de mídia lucram com a disseminação rápida desse tipo de informação, e o valor financeiro muitas vezes supera o valor das multas.

Outros meios têm interesses políticos e não farão esforços para defender seus oponentes. Isso significa que a imprensa sempre será parcial, mas o erro está em defender apenas as verdades convenientes.

Investir na educação é crucial para formar cidadãos conscientes, capazes de identificar tendências e compreender o movimento das ondas políticas.

Veja mais em  A falta de Educação Política e a corrupção ‣ Jeito de ver

Dominar a arte de antecipar e aproveitar as ondas é uma habilidade dos surfistas experientes.

Veja os links Aos Fatos | Todas as declarações de Bolsonaro.

Bolsonaro deixa déficit histórico sem precedentes (icleconomia.com.br)

Bolsonaro: “Quilombola não serve nem para procriar” – Congresso em Foco (uol.com.br)

Teus olhos verdes (Menina)

Um poema para alguém cujos olhos não esqueço.

Imagem de StockSnap por Pixabay

Gilson Cruz

São teus olhos verdes, Menina
estranhos universos pra mim
Não sei, por favor, me ensina
Por que tem que ser assim?

O mundo ficou infinito
A partir desse instante
E o céu muito mais bonito
E ao mesmo tempo distante

Teus olhos verdes, Menina
De farol, de mar a luzir
De vulto triste, a neblina
De longe sinto partir

E retornar nas madrugadas
Em sonhos, frios, agitados
Como águas que levaram
O que se tinha esperado….

Teus olhos tristes, Menina
Verdes, folhas de flor…
É a solidão que ilumina
Todos meus sonhos de amor.

De em nuvens poder andar
Cantar a canção que fascina
E pra sempre,  mirar…
Teus olhos verdes…

Menina.

Leia também:  A pequena bailarina (pequenos versos!) – Jeito de ver

Um E.T em meu quintal (Um dia estranho)

O bem humorado conto de um encontro com um E.T. Divirta-se.

quinta Imagem de Aliensworld por Pixabay

Gilson Cruz

 

Em meu quintal…

O dia estava meio estranho e confesso que o calor estava fora do normal.

Era quase fim de tarde e lá, escondido entre as pequenas plantas, consegui ouvir um som bem diferente.

Não eram  grilos fazendo a festa costumeira, nem algum morcego bêbado que se chocou novamente contra a minha parede.

Também não eram sapos; estes já haviam migrado para a lagoa mais próxima.

E quando eu digo mais próxima, não significa necessariamente próxima.

Era um serzinho estranho, mas como eu já disse, o dia estava estranho, então não liguei muito pra isso.

A aparência

Não me pergunte se tinha braços grandes que se arrastavam pelo chão – pois à beira das estradas escuras você pode ver um monte dessa espécie, e que não são necessariamente ET’s.

Não posso dizer que era verde, pois a escuridão dificultava a minha percepção.

Ele não era como aquele primo dele, que aconselhava aos terráqueos à busca pelo conhecimento..

Também não era daquele tipo que resolveu se exibir lá em Varginha,  Minas Gerais.

Esse era um pouco mais profundo. E passou a me contar sobre o seu mundo e a dizer as seguintes palavras:
– “Meu caro terráqueo, não sei se as notícias que tenho pra você são boas… Na verdade, são bem ruins!”

 

Recordei  a História…

Bem, eu já estava acostumado “a notícias ruins…” – pensei em voz alta:

Pensei: “Primeira Guerra Mundial,  Gripe espanhola,  Hitler,  nazismo,  fascismo e outros regimes parecidos.

Holocaustos,  massacre em Nanquim…

Continuei: “Segunda Guerra , bombas em Hiroshima e Nagasaki, COVID 19, ataque ao World Trade Center,  guerra no Golfo Pérsico e a eterna ganância pelo petróleo.

Lembrei também: “Golpe militar em 1964,  onda de autoritarismo na América do Sul,  a fome na África e  o We are the world.

Vi o presente…

Daí, lembrei a  invasão Russa à Ucrânia  e  o ataque terrorista a Israel, daí  o  massacre de palestinos pelo exército Israelense,  entre os quais mais de 6000 crianças  foram mortas.

–  “Já estou acostumado” – pensei.

“Estava revoltado, pois depois de incentivar os moradores de Gaza a migrarem para o Sul,  Israel passou a bombardear justamente o sul.

E o número de vítimas inocentes continuava a crescer, enquanto o governo  Israelense investia pesado em propaganda para conquistar a simpatia do mundo…

“Bem, ver um portal de notícias dizer que dois soldados israelenses morreram é triste, mas vê -lo ignorar a morte dos milhares de inocentes palestinos é, no mínimo, imoral…

“Estou acostumado a ver a corrupção mantida no poder por um povo cego, cegado pela  história e pela própria ambição,  e também a ver corrupção nos meios de comunicação”.

Os danos à Terra e à humanidade

“Eu já estava acostumado a ver desastres como Chernobyl, Mariana, Brumadinho, Maceió, Tsunamis e desastres nucleares como o de Fukushima, no Japão…

“Já não me causava espanto ver pastores religiosos tirar proveito de alianças com partidos políticos enquanto seus rebanhos cativos,  deveriam fugir do materialismo, enquanto eles mesmos se enchiam de bens,  desde fazendas até aviões.

E nem mesmo me abalaria mais, ver um monge mostrando um carinho exagerado por um menino…

“Já estava acostumado a ouvir que a água potável estava acabando e que deveríamos economizar, se possível esquecer os banhos e ignorar a sede;

enquanto fábricas de tecidos, de refrigerantes , papel , e até mesmo o agronegócio destroem imensas reservas de águas, e não dão a mínima para o futuro.

“Já estava acostumado com a ideia de não poluir e evitar consumir carne bovina, pela camada de ozônio;

enquanto os mais ricos do mundo poluíam e poluem  mais que toda a humanidade pobre…

“Já estava acostumado com a sensação que os grandes ricos previam o fim da Terra, já esgotada, após a ganância acabar com toda a riqueza .

Eles sonhavam em partir e habitar (e talvez destruir novamente) um planeta qualquer – quem sabe Marte fosse o azarado! Caso a nave mãe não explodisse no caminho! Tudo é possível!

– Não é um desejo!

 

Nada me surpreendia…

E enquanto pensava estas coisas em voz alta, o pequeno ser respondia indignado:
“Aí é que está o problema…vocês se acostumaram a tudo isso!”

 

A Surpresa

Entendi naquele momento…

E sem que ele soubesse, corri e discretamente apanhei a minha câmera. Excelente resolução -” hoje ele não escapa!”

A primeira foto 4K de um E.T!

Ao chegar discretamente, percebi que ele não estava mais!

Vi naquele momento, que ele não era vaidoso, como os primos,  e que todas as fotos de OVNIS são de péssima qualidade!

Como eu disse, percebi também naquele momento:

– “Era hora de tomar o meu remédio!”

 

 

Veja também:  Notícias de Guerras – o jogo da informação ‣ Jeito de ver

Palavras de 2023 – o ano que passou! ‣ Jeito de ver

 

Versos sem destino ( um conto )

Um belo conto sobre amor platônico. Divirta-se.

Imagem de Tumisu por Pixabay

Gilson Cruz

Apresentação

Neste texto, convido você a mergulhar em uma memória que poderia ser de qualquer um de nós: a primeira paixão, silenciosa, platônica, guardada entre versos e melodias nunca revelados.

A narrativa percorre as emoções de um adolescente tímido, que transforma a presença da professora em inspiração para poemas e canções, enquanto enfrenta a angústia silenciosa das quintas-feiras, as despedidas dos amigos e a inevitabilidade das mudanças que marcam o fim de um ciclo escolar.

Mais do que uma história de amor não correspondido, é um retrato delicado sobre o amadurecimento, as pequenas perdas que moldam quem somos e a beleza, ainda que dolorida, de se lembrar dos sentimentos que nos fizeram escrever, sonhar e, acima de tudo, viver intensamente cada estação da juventude.

Boa leitura!

No início, as pernas tremiam

As pernas tremiam quando ela entrava na sala de aula.
Ele não sabia, mas talvez a adolescência ainda existisse, embora disfarçada, atrás das lentes daqueles óculos para corrigir um pouco daquela miopia.

As “quintas-feiras” de Primavera, eram terríveis!
Ele tinha que suportar,  já na aula de entrada a voz doce daquela – que em qualquer outro lugar, seria uma jovem linda, uma paixão e que naquela hora era nada menos que a sua professora.

As aulas eram chatas, a voz dela era doce, mas ela vivia insistindo para que ele desse mais atenção às aulas.

O misto de emoções parecia irreal.

No outono, acontecem as paixões, diziam os colegas em tom de brincadeira entre as aulas de histórias, ciências e biologia.

Mas, não é que havia um pouco de verdade?

Alunos se apaixonarem por professores, não era tão incomum.
Ele era tímido, introvertido, mas para ela, ele criava seus melhores versos, inventava novas canções – e sonhava com o momento de mostrá-las – ainda que sabendo, lá no fundo, que não haveria chance alguma de algo acontecer.

E o fim de mais um ano…

E as aulas continuaram, o inverno passou, as brincadeiras juvenis se tornavam menos intensas e depois de longos meses, chegaria a hora de se despedir daquela turma, daquela escola e dela, a razão dos versos.

Abraços, adeus…todos contentes.

Emanuel, seu melhor amigo,  abraçaria a História, Romualdo se dedicaria a Educação Física, Cida iria para o Sul, Dalva para a França… todos caminhariam em estradas diferentes.

Melhores amigos se despediam e prometiam sempre enviar notícias – mas, a vida prega essas peças.
Alguns foram para longe e o tempo não lhes permitiu enviar as esperadas lembranças, notícias…

Outros se foram, pois os imprevistos acontecem mesmo aos jovens… não tiveram tempo de dar um último abraço, como o Augusto que desistiu de viver, e que jamais fora entendido por alguém.

Mas, naquele momento de despedidas, sentia a falta da jovem Professora.
Estava num misto de alegria e tristeza por se despedir, por ver mais um fim de ano.

 

E ele decide apresentar os versos

Estava livre agora para conversar com aquela que fora a inspiração das músicas e poemas.

E ainda, na última Sexta-feira, de um Dezembro qualquer, ele organizava seus versos…
Ensaiava suas últimas canções.
Se preparava apenas para um muito obrigado, ainda que meramente formal… e poder se desiludir, então.

E naquela noite, logo após a lua brilhante do novo verão iluminar o leste da cidade, apanhou seu violão e se dirigia, caminhando pelos trilhos até o caminho que levavam à porta mais distante do mundo.

Cada passo pesava toneladas e cada segundo eram séculos vividos até a esquina que dava na rua das Rosas.

E cruzando a esquina, vira de longe um carro.
E do carro descia aquele que falava as palavras que ele desejava falar, e planejar o futuro que ele sonhou por todo um ano…

No momento em que ele chegava, seus olhinhos verdes brilhavam e seus lábios riam enquanto andava alegremente para abraçá-lo.

Abraçar aquele a quem ela amava e de quem certamente ouviria as palavras, que ela desejava ouvir.

Olhando à distância, ele desiludido, via a razão dos seus versos também entrar no carro e saírem.

Não houve lágrimas. E o caminho de volta se tornara longo…

A lua agora iluminava as suas costas e o velho Di Giorgio tinha o peso do mundo.

Naquela noite não haveria músicas ou poemas, até porque num tropeço, o braço do seu violão favorito, se quebrava em dois.
Desempregado, não podia comprar outro…ser jovem, era outro nível!

As músicas cessaram naqueles dias.

E um novo ano se aproximava.
Haveria novas turmas, novos professores e diferentes paixões.
E a vida continuaria. Ele certamente encontraria alguém e amaria, e quem sabe voltaria a escrever novos versos…

Mas, ainda lembraria daquele violão, que o acompanhava nas madrugadas de composições para a sua paixão adolescente, e daqueles meses e sentimentos, que findariam também.  No fim das aulas – num verão.

 

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Veja também Caminhos de ferro ( Um conto) ‣ Jeito de ver

 

Amar novamente (acreditar sempre)

Investir num relacionamento é valorizar o humano. Como amar e amar sempre?

Imagem de Karen Warfel por Pixabay

Investir num Relacionamento Duradouro Tem Seus Desafios

O que, no começo, parece ser uma eterna primavera, toma contornos de cinza quando se percebe que a pessoa ao nosso lado também é cheia de defeitos! O fato é que todos nós temos nossos próprios vícios e virtudes, e alguns desses vícios podem ser estranhos a quem não tem a mesma formação, cultura e objetivos.

Por exemplo, algumas pessoas amam mostrar para toda a vizinhança a música que estão curtindo (mesmo quando não são solicitados), ao passo que outras preferem algo mais intimista e se irritam com volumes altos. Pode ser um desafio chegar a um ponto em comum, mesmo em algo tão simples.

Outro desafio comum é apaixonar-se pela aparência física de alguém e viver na ilusão de que a pessoa será assim para sempre. O fato, mais uma vez, é que com o tempo as pessoas mudam. Os traços da juventude amadurecem e aquele frescor de beleza toma agora contornos de uma beleza mais madura, realçada pela experiência vivida.

Entender esse ponto nem sempre é fácil, visto que vivemos numa sociedade escrava das aparências. Em especial, as mulheres são, na maioria das vezes, as mais impactadas pelas regras ocultas desta nova/velha sociedade.

Por exemplo, em novelas e filmes, é muito comum ver mulheres jovens contracenando ou fazendo pares românticos com homens bem mais velhos. Algumas atrizes já disseram em entrevistas que, uma vez que ficam mais velhas, perdem protagonismo nesta área da arte. Enquanto homens mais velhos são valorizados pela experiência, as mulheres mais velhas são criticadas por não conservarem a mesma aparência. No filme Top Gun: Maverick, por exemplo, eram comuns os elogios à boa forma física de Tom Cruise, enquanto a atriz Kelly McGillis, com uma aparência mais madura, recebeu comentários críticos e desnecessários.

Triste dizer, mas isso é apenas um reflexo do dia a dia. Isso acontece quando as pessoas deixam de valorizar a personalidade e se concentram apenas na beleza fugaz.

A Sociedade e as Expectativas Sobre a Aparência

A sociedade moderna está profundamente ligada à aparência e muitas vezes não dá espaço para a evolução natural das pessoas. As mudanças físicas, que são naturais e inevitáveis, muitas vezes se tornam um obstáculo para aqueles que esperam ver sempre a mesma pessoa. Isso é especialmente visível no tratamento dado às mulheres, que, à medida que envelhecem, enfrentam uma pressão ainda maior para manter uma imagem juvenil.

A mídia, por meio de filmes e novelas, reforça esses padrões ao valorizar homens mais velhos, associados à experiência e à sabedoria, enquanto as mulheres mais velhas são muitas vezes marginalizadas ou desvalorizadas por não atenderem aos padrões estéticos da juventude. Essa discrepância causa uma pressão desnecessária e contribui para um ciclo de insegurança que afeta a autoestima de muitas mulheres.

Problemas acontecem

Analise a história de alguém que chamaremos de Marta. Seu relacionamento com Carlos começou quando ela tinha aproximadamente 17 anos. Carlos era o homem dos seus sonhos: bonito, educado, paciente e trabalhador. Marta era uma menina cheia de sonhos, linda, alegre e excelente professora.

Ambos sonhavam com filhos, mas infelizmente alguns problemas os impediam. Investiram tempo e dinheiro em um tratamento que finalmente deu resultados, e ela engravidou. As expectativas aumentaram, assim como a ansiedade e a depressão de Marta, que temia que algo pudesse frustrar seus planos.

Enfim, uma linda criança nasceu! Mas Marta agora enfrentava um novo desafio. Seu corpo mudara, ela teve depressão pós-parto e enfrentou comentários que, embora bem-intencionados, aprofundavam ainda mais sua depressão e sentimentos de inutilidade. Até mesmo Carlos deixou de enxergar toda a batalha que haviam travado para alcançar o objetivo de ter um filho.

Observe que as maiores dificuldades estavam nas mãos de Marta. Carlos, ainda que involuntariamente, a maltratava ao dizer que sentia falta da jovem linda que conheceu aos 17 anos, que não era mais a mesma, pois não tinha a mesma aparência. O pobre Carlos não percebia que ele também não tinha mais a mesma aparência — as mudanças físicas acontecem a todos.

E que mais importante, naquele momento, era ver que, além dos lindos traços no rosto de Marta, havia uma mulher linda e agora mais madura.

Alguns talvez pensem: “Ela sabia que era assim. Que ele gostava da aparência física que ela apresentava!” Certo, mas ninguém precisa ser um idiota pra sempre, não é verdade? (Risos)

Valorizar o Humano e os Desafios da Saúde Mental

Investir num relacionamento é valorizar o humano. E quando a pessoa que amamos sofre de depressão, crises de ansiedade e outros males deste século terrível? As pessoas que amam têm essa incrível mania de acreditar que nunca devem desistir!

Em vez disso, farão o possível para tornar mais leves e suportáveis as pressões do dia a dia. Fazem isso porque estão dispostas a ouvir sem tecer julgamentos precipitados, a colocar-se no lugar do outro e, principalmente, a separar os sintomas da doença da verdadeira personalidade da pessoa.

Investir num relacionamento tem seus desafios, é verdade. Mas, à medida que cada desafio é superado, maior se torna o vínculo e a sensação de realização — de sucesso! Realmente, amar vale a pena!

Gilson Cruz

Leia mais em :E quando a infidelidade acontece? – Jeito de ver

As pessoas que amam, tem essa incrível mania de acreditar,  não desistem nunca!

A menina que falava de Anne Frank.

Lápide de Anne Frank. Como o entusiasmo de uma menina me fez reler um livro?

Imagem de meisterhaui por Pixabay

Uma Conversa

Alguns livros ganham uma profundidade extra quando alguém os conecta à sua própria realidade, revelando nuances que talvez tenham passado despercebidas anteriormente.

Há tempos, voltando tarde das aulas de inglês, no silêncio quase meia-noite do transporte da Prefeitura, uma estudante se sentou ao meu lado e compartilhou seus planos para o futuro. Seu modo cativante e otimismo eram inspiradores.

Ela falava dos sonhos de cursar Direito, de cuidar das pessoas e de outras ambições, e eu me maravilhava: “Como pode haver espaço para tantos sonhos dentro de alguém tão sereno?”

Naquela conversa, redescobri um pedaço de mim mesmo. Na minha juventude, entre poesias e músicas, sonhava com a profissão mais inspiradora: ser professor e ajudar a trilhar caminhos.

Eu estava sem palavras, ciente do esforço daquela pequena cansada para se manter acordada.

E então, ela me disse: “Estou lendo um livro que está mexendo muito comigo, você conhece a história de Anne Frank? Estou lendo O Diário de Anne Frank!”

O entusiasmo dela me fez esquecer o cansaço. Pedi que me contasse mais. Ela descreveu a avançada Anne Frank, sua paixão por filmes, o sonho de ser atriz e sua decisão de registrar sua rotina em “Kitty”, o nome que deu ao seu diário. Falou das experiências da jovem durante o período de confinamento, suas paixões, medos e incertezas sobre o futuro.

Mesmo sem chegar ao fim do diário (a menina temia este momento), ela já conhecia o resumo da história (e eu também!). As luzes da cidade se aproximaram enquanto agradeci por tornar a viagem mais agradável.

Prometemos falar mais sobre o livro, mas eu sabia que, ao concluir meu curso, isso dificilmente aconteceria. Ao chegar em casa, algo me instigava: “Por que não reler O Diário de Anne Frank?”

Redescobrindo Anne Frank e a Natureza Humana

E assim o fiz.

Cada palavra no diário ganhou uma nova vida, cada momento e experiência me ensinaram uma nova lição. Comecei a questionar menos sobre a maldade das pessoas e mais sobre como pequenos atos podem dar significado ao mundo.

Não, não vou contar o que está no diário ou narrar a história de Anne Frank. Recomendo que você mesmo o faça. Leia, pense na natureza humana e no quanto ainda precisamos aprender.

Gilson Cruz

Veja mais em: O tempo ( Contador de histórias) – Jeito de ver.

Palavras de 2023 – o ano que passou! ‣ Jeito de ver

Amar novamente… ( e sempre)

Alguém solitário num banco. É possível amar novamente após uma perda ?

Imagem de Melk Hagelslag por Pixabay

“Foi Deus que fez a gente, somente para amar… só para amar!”

Foi Deus Quem Fez Você – Canção de Luiz Ramalho, 1980, interpretada por Amelinha.

Os mais românticos costumam dizer:

  • “Só se ama uma vez na vida!”

Embora exista uma verdade por trás destas palavras, o fato é que é possível amar várias vezes na vida.

Parece contraditório? Explicamos…

A verdade é que o amor é um sentimento complexo e pode se manifestar de diversas maneiras ao longo da vida. Não deve ser confundido com paixão ou fascínio, que, por vezes, são definidos como uma “falsificação” do amor, por se basearem em coisas superficiais e passageiras.

Como o amor é algo mais maduro, ele se desenvolve em momentos distintos, com diferentes intensidades e direções.


Amor e suas nuances no cinema

Para entender melhor, vamos relembrar dois clássicos do cinema (com um pouco de spoiler!):

O clássico de 1970, Love Story (Uma História de Amor), conta a história de Oliver, um jovem de família rica inglesa, sem muita graça ou objetivos na vida, que se apaixona por Jennifer, uma jovem estudante de música. Eles se casam.

Os pais de Oliver são contra o relacionamento, pois Jennifer é de família humilde, e deserdam o filho.

O casal tenta ter um filho, sem êxito, e, ao realizarem exames, descobrem uma doença gravíssima em Jennifer. Essa doença tira sua vida. (Eu falei que teria spoiler! Mas, mesmo assim, vale a pena assistir ao drama; há muitas lições!).

O filme A História de Oliver (1978) pode ser descrito como uma continuação de Love Story e mostra os desafios de um amadurecido Oliver à frente dos negócios da família, enquanto aprende a amar novamente. (O drama também merece atenção!).

Esses filmes mostram as dificuldades de amar e amar novamente após uma perda.


A vida precisa seguir: amar é natural

Na vida real, algumas pessoas que perderam quem amavam podem nutrir sentimentos de culpa ao desenvolverem sentimentos românticos por outro alguém e, muitas vezes, sabotam a si mesmas. Não se permitem uma nova chance.

Amar faz parte da natureza humana, embora vivamos num tempo em que os relacionamentos são frequentemente marcados pela falta de substância, de compromisso, e a experiência de amar é confundida com a satisfação instintiva dos próprios desejos.

Mas não é sobre este tipo de relacionamento que estamos falando aqui.

Falamos sobre o compromisso entre duas pessoas, em que ambas têm um sentimento de pertencimento, sem culpa e sem pressão.

Algumas pessoas amaram tanto que, após a morte da pessoa amada, acreditam ter vivenciado o amor eterno e não desenvolvem mais sentimentos românticos ou desejos por mais ninguém – e são felizes assim!

Embora seja difícil resistir à tentação de julgar, quem somos nós para determinar o que é bom para os outros, não é verdade?

Outras pessoas passam a desenvolver sentimentos, mas temem reviver experiências dolorosas ou esquecer a pessoa que ocupou um espaço tão importante em suas vidas.

Mas a vida precisa ser vivida.

Não há erro em tentar!

Nessa situação, a pessoa não deve se sentir culpada. Querer amar alguém é algo natural, e passar a gostar de outra pessoa não significa que o primeiro amor não foi verdadeiro.

Cada pessoa é diferente, e cada uma é amada por motivos distintos. À medida que vivemos novas experiências, crescemos e mudamos, e, com isso, nossas capacidades de entender e amar também evoluem.

Portanto, é vital entender que vivemos em constante aprendizagem. Na vida, podemos amar pessoas diferentes por motivos distintos – e isso também será amor. Não significa apagar uma história vivida, mas dar continuidade àquilo que é essencial: a vida.

Gilson Cruz

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