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Um bom rapaz – uma crônica.

Histórias de um desconhecido…

Sabe aquelas histórias, aparentemente, sem pé, nem cabeça, que te contam e que ficam na tua mente por anos?

Há muitos anos, enquanto aguardava o ônibus que trazia as mercadorias para o meu trabalho, um senhor, desconhecido,  se aproximou e aparentemente sem nenhum motivo começou a me contar uma história mais ou menos assim:

“Na cidade onde eu morava, conheci um menino gente boa, de família boa – mas pensa num menino que desacertou na vida!

Ele tinha vários irmãos, cinco ou seis, não me lembro bem e num deslizamento de terra… perdeu a maioria deles.

Restaram, apenas, ele e mais dois irmãos.

Após as tragédias, a vida jamais volta ao normal.

As pessoas aprendem a viver com o que se apresenta a elas.

O mundo mudou totalmente para ele, e ele não sabia disso.

Vivendo com o que tinha nas mãos, chegou à adolescência. Se essa fase é tão complicada para qualquer pessoa, imagina para um menino que trazia na cabeça tantos problemas?

Ele parecia um bom menino, não brigava, era prestativo e como qualquer adolescente estava carente de amizades.

E ele fez amizades.

Mas, não se pode dizer que eram boas amizades.

Os amigos que ele encontrou ofereceram algumas coisas, que não eram boas pra ele, sabe? Drogas…

Seu comportamento não mudou muito em casa, ele continuava calado, mas era amoroso com os pais…

Ah! Com o tempo, ele viciou… e os amigos passaram a cobrar pelas drogas que ele usava.

As cicatrizes da marginalidade…

Quando não era dinheiro, eram favores…sabe aquele negócio de avião? Avião é aquele que leva a encomenda de uma área a outra da cidade. Pra sustentar o vício ele passou a cooperar com os amigos, que passaram a lhe fornecer coisas cada vez mais viciantes…

Quando a dependência já governava as suas atitudes os seus amigos forneceram uma arma e lhe pediram um “favor”.

-” Dá um susto lá no concorrente!”

E lá foi ele, mas as coisas não saíram como programadas, e ele foi acabou sendo detido por tentativa de homicídio.

Acho que ele atirou no sujeito lá, não sei…

Na prisão, ele temia,  suas crises de abstinência,  medo dos policiais… medo, de outros presos.

E por causa dum longo período preso, conseguiu se livrar do vício e agora vida nova. 

Decidiu procurar emprego, casar com a namorada…  Estava pronto para ser um novo homem!

Morando agora com a pessoa que amava, todo dia ele saía pela grande cidade em busca de trabalho, queria um emprego. Mas ao examinarem os seus antecendentes, ninguém lhe dava a oportunidade.

Seu registro tinha a observação de ex-detento.

As pessoas tinham medo!

E por meses ele tentou, sua mulher passava o dia faxinando em várias casas para ter algo para comer e ele tinha por profissão, procurar trabalho. E não encontrava!

Envergonhado, para não parecer um fracassado passou a cometer pequenos crimes. Pequenos roubos.

Trazia agora um pouco de dinheiro pra casa.

E sua mulher, inocente, agora se alegrava com a primeira chance dada ao seu marido.

Mas, ele não era bom no que fazia… até que, foi preso novamente.

Explicou à Polícia que nos ultimos anos procurou trabalho e que ninguém se arriscava a confiar nele.

Ex-detento!

Foi enviado para a prisão e novamente, cumpriu a  pena e saiu.

E o roteiro se repetiu, nos mesmo detalhes. Procurar emprego, receber “Não”,  não conseguir olhar sem constrangimento a amada nos olhos…

Ele perdeu novamente o brilho nos olhos…como um menino assustado na tragédia.

Ele não tinha armas, vou te lembrar isso…

Um justiceiro improvável…

Até que um dia contrataram ele para um serviço, não sei quem foi – e lá, ninguém se ousava a perguntar quem era.

De repente, traficantes pequenos, aviões, ladrões e algumas pessoas tidas como perigosas passaram a ser executadas na cidade.

Diziam por lá, que o pobre menino virou justiceiro. Pois toda vez que ‘os homem’ apareciam na casa dele com um pacote, no outro dia um marginal morria. ( Nota: Marginal é um termo usado para definir os que vivem à margem da lei).

Se quer saber a verdade, eu tenho certeza que era ele. Mas, ninguém nunca vai saber quem eram ‘os homem’ que contratava ele.

Ele parecia não viver mais. Ficava na porta de sua casa, calado, olhando o vazio…

Sua mulher o amava, mas não conseguia ver vida nas palavras, nos gestos, no olhar dele.

A criminalidade diminuiu bastante naquela região.

A última tentativa

Ele, numa ultima tentativa de resgatar um pouco da vida que perdeu, vestiu a sua melhor roupa.

Saiu de casa na esperança de que desta vez, os problemas acabariam. Que ele, enfim, conseguiria um emprego, um trabalho!

E assim saiu.

Olhou a foto da amada, sorriu um riso que não sorria há muito tempo, olhou para o céu e foi…

E no ponto de ônibus, enquanto se preparava para mais uma tentativa foi apagado da história. Seis tiros.

As pessoas corriam, fugiam “dos homem” que faziam aquilo, pareciam querer apagar mesmo a última esperança do rapaz. Ou apagar algo que os incriminasse. Não sei… mas, assim é a vida.

Parece incrivel, mas naquela hora, ao olhar a face do menino, parecia que ele tinha se livrado de um peso.

Seu rosto estava sereno. E os bandidos, jamais foram, nem serão encontrados”.

No momento em que aquele desconhecido me contaria sobre as manchetes nos jornais, o que aconteceu com a mulher do rapaz e o que a polícia local estava fazendo, o ônibus se aproximava enquanto ele se preparava para embarcar e em vez de dizer adeus, apenas disse: As histórias não assim pra todo mundo….as pessoas não são iguais! É a lei!

Confesso que quase trinta anos após ouvir essa história, que não sei se é verdadeira ou não, entendo apenas as ultimas palavras daquele desconhecido: “As pessoas não são iguais… perante a lei!”

Leia mais em  A População Carcerária no Brasil – Jeito de ver

Mais um dia… ( Um dia quase normal!)

Levantei cedo, antes do sol.

Algumas estrelas ainda me esperavam do lado de fora.

O céu estava indeciso

como se despedir das estrelas?

Românticas, serenas…

Como deixar a lua partir?

Os seresteiros cansados se arrastavam pela longa praça,

realizados depois de uma noite tão romântica

As amadas tiveram seus próprios spectacle privé,

puderam sonhar com os velhos tempos

puderam debruçar nas janelas imaginárias

O céu abraçava as cores

lilás, rosa, traços amarelos e vermelhos

e imponente, surgia o sol.

O poeta recluso, não escrevia mais seus pensamentos

e o compositor

abraçava a solidão da cama

podia agora dormir.

De longe,

o atleta corria na direção oposta

desbravando novas metas, novos horizontes

E quanto a mim…

Parei no tempo.

Enquanto lembrava dela

dos cabelos negros

dos olhos verdes

da voz macia

do riso lindo

E guardava cada instante desse dia para poder contar…

Veja mais em:  O tempo ( Contador de histórias) – Jeito de ver

Para te ver ( Versos Simples )

Os caminhos se tornam belos quando amamos o destino. Veja a poesia.

Imagem de Iso Tuor por Pixabay

 

A cidade era fria, no caminho, cansava, chovia.

A neblina cegava, mas mesmo assim, eu te via.

A chuva gelava, o tempo apertava, a distância, cegava…

Mesmo assim, te via.

Te via de riso solto, aberto, no mesmo portão, de braços abertos e olhos fechados, como numa oração.

Te via sorrindo, na mesma distância. Que lindo!

Na mesma esperança, na mesma ilusão de que o tempo não bastaria…

Que algo cresceria, duraria, viveria por mais um verão.

Mas era inverno em teu coração, e de modo terno…

dizias: não

aos sonhos, às estradas… a ilusão.

E nas noites de estrelas, sem palavras, sem trelas, passei com elas aquela estação…

Em que tu te afastavas, como o horizonte, cada vez mais distante, e em nenhum instante imaginei que acabavas.

E na cidade fria, que no caminho a chover, meu coração apertava ao lembrar da distância que eu vencia para poder te ver.

E de longe as belas serras, imagino um portão… sem palavras e sem estrelas, sem braços abertos, que não mais me esperam.

Mas que ainda me conta sorrindo, e a saudade não faz doer de frio, das estradas, dos caminhos… que eram lindos… para poder te ver.

 

Veja mais em Versos sem destino ( um conto ) ‣ Jeito de ver

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A velha banda (Um conto real)

Uma Guitarra. O reencontro de uma banda.

Imagem de Andreas Glöckner por Pixabay

A Ansiedade do Retorno

A multidão aguardava ansiosa. Antigos fãs queriam ouvi-los novamente e os novos queriam conhecê-los, mas a ansiedade era maior ainda entre eles.

Não se apresentavam juntos havia muito tempo. O cenário havia mudado. As canções de sucesso não diziam nada a eles que amavam a simplicidade das velhas músicas.

Será que aceitariam novamente as suas músicas?

“As coisas mudaram muito.” “Não é preciso ser afinado para cantar.” “Presença de palco é tudo.” “Se for bonitinho e souber se balançar, já está ótimo.”

Mas eles já não eram meninos bonitinhos, nem tinham tanta energia para se balançar sem travar a coluna no palco. Ficaram com medo.

O Show da Vida

E enfim, chegou a hora. “E com vocês…”

A plateia aplaudia calorosamente a volta, a volta dos músicos, a volta da música àquela praça.

E com pernas trêmulas, vozes embargadas – a melodia saiu perfeita, carregada numa emoção que não tinham na juventude.

E o show continuou tempo suficiente para que novos conhecessem e entendessem a história e os antigos fãs matassem a saudade.

E o melhor show das suas vidas aconteceu. Havia espaço também para aquelas belas músicas.

E ao fim do show, se abraçaram. Cumprimentaram o público e amorosamente atenderam àqueles que pediram um momento.

E cientes de que a história estava completa, puderam voltar felizes. Sem mágoas.

Podiam parar agora ou até que o desejo os fizesse voltar.

Veja mais em: O tempo ( Contador de histórias) – Jeito de ver.

Palavras de uma Mãe (Poesia no Drama)

O rosto triste, cansado. As palavras reais de uma Mãe após a tragédia.

Imagem de ThuyHaBich por Pixabay

 

Menino, volta pra casa

Por favor, não diz que não te avisei

Menino, cuida das tuas ‘companhia’

 

Menino, não é assim que se enrica

Menino, volta pra casa

 

Menino, a noite chega

tu lembra a tua canção de ninar?

Não era brincadeira

O bicho papão existe…

e pra nós pobres, ele é diferente…

 

Volta pra casa, Menino

Tua pele é marcada

desde que tu nasceu

te olham torto nos mercado e te amarram como se amarra os porco…

Te amarram em poste,

meu coração dói

 

Volta,

pra casa…

Menino, sei que o mundo é injusto

mas trabalha, mesmo que por pouco

com pouco também se vive.

 

Lembra do teu amigo que jogou a pedra,

e a pedra infeliz subiu,

subiu e achou de cair no carro dos dotô, do bicho papão…

que matou ele

e ele é que não volta…

 

Mas, o Dotô vive na paz vive na paz dos bichos, aqui perto

A lei é diferente, pois tu, tu não esquece…

não esquece a pele dele, é igual a tua e ele não volta mais p’ra casa

 

Eu tinha medo quando você brincava a tua bola até tarde da noite

Mas, você tá grande…

E hoje não tenho paz, você não para em casa

Volta pra casa…

 

Um dia aqueles bicho te pega…

não tem advogado pra tu, nem niuma chance

A nós sobreviver é missão, pra não sumir no mundo, na história

 

Não fala daqueles lá que roubaram mais,

que tem carro, fazenda e troça na cara de todo mundo

-Eles também estão errados, mas, pra eles é diferente, sempre será…

 

Menino, está dormindo?

abre os teus olhos…

abre os olhos…

acorda, meu filho…

 

Menino…

eu te avisei…

 

Leia mais em Eterno Menino (Lembranças de um amigo) ‣ Jeito de ver

 

 

 

Caminhos de ferro ( Um conto)

Uma lembrança antiga...Leia

Imagem de SnottyBoggins por Pixabay

Lembro o misto, aquela composição que nas Quintas-feiras levava pessoas e cargas para o leste, às 13:15. Você lembra?

Partir nunca foi o momento mais alegre da vida, mas aquele momento era especial.

Sandrinha, vestida de verde, acenava e deixava nos lindos lábios o mais belo sorriso.

Então, o trem seguia, rumo ao leste.

Constante.

Trilhos, pedras, paisagens secas às margens de um rio e antigas pequenas cidades às margens da ferrovia.

As pessoas que viam o passar do trem, acenavam ao maquinista que respondia com risos, longos e estrondosos apitos, daquela buzina escandalosa.

Crianças viam heróis. Moças viam paixões e aventuras, mas dentro da composição, as pessoas esqueciam de contemplar o tempo que agora era disponível e também as histórias ao redor, estavam ocupadas com a pressa.

Então decidi voltar novamente a minha atenção ao mundo lá fora.

E vi o por do sol.

Montanhas, descidas incrivelmente lindas e assustadoras anunciavam a chegada a Contendas do Sincorá.

Era noite, as pessoas corriam para receber parentes, para vender seus produtos e outras  para embarcar.

As horas passavam e a velha cidade ficava pra trás.

Trilhos, pedras, montanhas e novas paisagens.

A saudade e a despedida

Até o bendito trem resolver descarrilar… e longas três se passaram.

As queixas não eram tão interessantes…

Reclamações, queixas, um reggae no toca-fitas do Nilson e a expectativa ansiosa.

E chegamos, madrugada de Sexta. Brumado estava quente.

Dois dias, passaram como segundos e hoje, não lembro absolutamente nada do que aconteceu neste período – são longos 37 anos… mas lembro de querer voltar e ver novamente aquele sorriso, o sorriso de Sandra.

E depois dos trilhos, das pedras, das velhas cidades, eu estava de volta.

E ela estava lá, de blusinha verde, de short vermelho e de riso nos lábios.

Rindo, brincando e a dizer: ” Agora é a minha hora de partir…”

E de longe, vi o carro, estradas para o Sul… montanhas…céus… não consegui sorrir.

Senti falta dos risos.

Ela jamais voltou.

Gilson Cruz

Veja mais em: O tempo ( Contador de histórias) – Jeito de ver.

O mundo anda bem complicado…

Jornais. As notícias afetam o nosso humor e a nossa saúde.

Imagem de Luisella Planeta LOVE PEACE 💛💙 por Pixabay

Um Dia de Desafios e Reflexões

O dia não estava bom…

O intestino me lembrou de sua existência, gritando e exigindo atenção, enquanto o estômago, enciumado, também queria um pouco de amor — e resolveu protestar.
Para completar, a otite resolveu me visitar justamente um dia após a vacina.

Meu pobre cérebro, sem muita paciência para administrar esses egos, decidiu medicar-se e, logo depois, entregou-se ao sono. Acordou com uma disposição imensa para ver o que estava acontecendo no mundo.

Decidiu me distrair nos portais de notícia, em busca de algo interessante que pudesse dar aquela moral. “Quem sabe uma boa notícia?”, pensou.

E assim, começou a aventura.

Entre Clickbaits e Ecossexualidade

Os sites traziam propostas nada interessantes: o antes e depois de um ator famoso ou os destaques de outro ator que se declara ecossexual (um termo que eu não conhecia).

“— Deve gostar da natureza…”, pensei, quase acertando.

Descobri que ecossexualidade é a fusão entre ambientalismo e sexualidade, focada no amor pelo planeta.
E não é que as piadinhas tolas da quinta série fizeram a festa na minha cabeça? Mas, convenhamos: a quem interessa esse assunto?

Resolvi esquecer as piadas e seguir em frente. Novos quadros falavam sobre biquínis de famosos, feitos de lã, crochê, fios de ouro, couro, cordas de guitarra, contrabaixo, ukulele… ou quase isso. Empolguei-me um pouco, admito.

“— Mas a quem interessa tudo isso?”, perguntei novamente.

Notícias Seriam Notícias?

A busca continuava. Lá estavam algumas tragédias perdidas entre um mar de futilidades:

  • “Corpo de criança de dois anos, desaparecida, é encontrado no Paraná.”
  • “CPI’s e CPMIs.”
  • “Mísseis da Coreia do Norte caem no Japão.”
  • “Grampo telefônico confirma participação de jogador brasileiro em estupro.”
  • “Ciclista cai em curva durante corrida e morre.”
  • “Congresso pressiona por mais recursos e cargos e reclama que o governo não sabe dialogar.”

Isso cansa!

“Seleção fará partida amistosa e usará uniforme preto contra o racismo.” Pensei: “Vão exibir aquela faixa: ‘Diga Não ao Racismo’ ou ‘Com Racismo Não Tem Jogo’ e, como sempre, não farão nada além disso.” Hipocrisia! Não consigo acreditar que haja algum interesse maior que dinheiro nessas instituições.

Meu cérebro, no entanto, me corrigiu: “O objetivo é distrair, não se estressar.”

E as notícias continuaram:

  • “Goleiro se machuca, será substituído.”
  • “Governo incentiva aumento na venda de carros” (com o meu salário, nem dá pra imaginar comprar um).
  • “Ciclones no Sul.”
  • “MC, cujo nome lembra os palhacinhos da infância, tem show cancelado novamente.”
  • “Modelo tem galinheiro com piscina, poleiro e iluminação.”

“Mudou a minha vida”, ironizou meu cérebro.

Um Mundo Complicado

Informações sérias e banais lutam pelo mesmo espaço, e eu me sinto cansado.
Clickbaits, anúncios sem sentido e muitas notícias que nem deveriam estar lá. Afinal, a palavra “notícia” vem do latim notitia, que significa algo que merece notoriedade.

“Informam, mas não acrescentam em nada. Não precisavam estar lá”, reclamou meu cérebro, já impaciente.

Mas os portais precisam sobreviver, e por isso as notícias sensacionalistas estão sempre de mãos dadas com algum anúncio.

Depois de perder meia hora buscando distrações, meu cérebro descobriu: dormir é um excelente remédio!

E no que ainda restava do dia, ele me entregou aos sonhos. Pois, nem sempre, viver é melhor que sonhar.

Gilson Cruz

Leia mais em  Perigo nas redes sociais – como o se proteger – Jeito de ver

A mais bela voz ( Uma história)

Escrevendo. Um texto sobre um amigo de verdade.

Imagem de jlxp por Pixabay

Sabe aquele tipo de pessoa que parece impossível de esquecer?
Sim, essas pessoas existem!

Quando eu ainda era jovem (e isso já faz muito, mas muito tempo!), lembro de um período de depressão.

Era um tempo de perdas, de afastamento da família e, sinceramente, eu não sabia o que fazer…

Morava na cidade da minha paixão, um pequeno município chamado Santa Terezinha, no interior da Bahia.

Silêncio e amizade

A cidade era pequena, acho que ainda é. A praça tinha grandes árvores, o vento adorava soprar no meu telhado, eu tinha medo dos raios e trovões, e um escorpião resolveu me picar só para me lembrar que eu não estava sozinho no mundo… Ah, e a dengue também me pegou duas vezes, de jeito!
Mas o povo era amável, e os dias eram bem ocupados.

Sim, os dias eram ocupados. Trabalhava o dia inteiro e, sendo jovem, não tinha muitos amigos.
Até que, num desses meses de junho, recebi a notícia de que uma das melhores pessoas que conheci, que amava de coração, havia falecido em seus vinte e poucos anos…
Confesso que não queria ter amigos por perto! E, até hoje, não sei por quê.

E então, num desses dias, ele aparece.
Me convida para passar em sua casa.
E, na maior simplicidade, me apresenta algo que um péssimo guitarrista como eu só tinha visto a centenas de quilômetros de distância. Não resisti à tentação. Lembro do espanto:
“Rapaz, que arsenal!”
Mesas de som, caixas, microfones, guitarras, baixo, teclado… Ele sabia que eu cantava razoavelmente mal, mas fazia questão de que eu cantasse!

Ele não dava conselhos, apenas respeitava o silêncio, a dor… E, quando podia, me ajudava a desabafar com aquilo que me agradava.

É engraçado como hoje tenho mais ou menos a mesma idade que ele tinha naquela época… E percebo quanto sofrimento devia ser para aquele sujeito de bom ouvido escutar um moleque tão desafinado!

Mas ele escutava, escutava, escutava…

As memórias que ficaram

Anos mais tarde, encontrei uma daquelas fitas que ele costumava gravar.
Numa das faixas, ele tocava suavemente um piano elétrico — talvez num Dm (Ré menor), não lembro mais —, enquanto eu, com uma guitarra Giannini Craviola, fazia o possível para não estrangular a música…
E a música fluía, entre gargalhadas e brincadeiras.
E ele soltava a voz…
A voz mais tranquila e afinada…
Que gostava de rir…
E que se calava quando o silêncio ajudava.

Ah, antes que eu me esqueça: estraguei a música, como de costume… mas só um pouco!

Uma melodia inesquecível

Hoje, um tanto mais velho e com a audição comprometida, consigo ouvir em meu coração cada nota, cada palavra… cada silêncio daquela pessoa, daquele amigo lá da minha juventude.

É bom ter pessoas que não esquecemos. Essa é, sem dúvida, a mais bela voz que pode existir.

Ao meu amigo e irmão,
Rogério Alves.

Veja mais em Depressão – como ajudar? (Informativo) – Jeito de ver.

O baile (Um último encontro)

Um baile. Um texto sobre um último encontro.

Imagem de Ri Butov por Pixabay

Eu não sabia que seria aquela a última vez que iria te ver
Chovia
O baile que começaria às oito, achava que provavelmente seria adiado
pois a eletricidade em nossa pequena cidade não tem um bom relacionamento com qualquer tipo de chuva
A escuridão queria um pouco mais de espaço

Imaginei…
Ela não deve vir…
Os sapatos e o vestido brancos
E o laço vermelho nos cabelos…
Não queria imaginar os teus olhos

A chuva ficava ainda mais forte
E ainda assim o baile começava
E a banda começava a tocar aquela música

Lá dentro os pares, já não sentiam medo
Dançavam
Deslizavam pelo salão
E eu te imaginava …

Confesso, não estava desapontado
Nem todos tinham carro naquele tempo…
E quanto a mim… nem bicicleta!
Mas, não queria que a chuva fria te molhasse

E a música continuava
E na chuva resolvi dançar sozinho, na chuva
Girava…
Escorregava na rua lisa
De olhos fechados
Aproveitava a festa sozinho
Lá mesmo, lá fora, na chuva

E antes mesmo de a música acabar
abria os meus olhos,
E lá estavas tu…

Me olhando
Sorrindo
De rostinho molhado
De vestido molhado
De sapatinhos molhados…

E de repente, te estenderia a minha mão
E  vinhas…
E lá, sob a chuva
Mas, sobre as nuvens
dançávamos… até o fim

da música, da noite

No que seria a última vez.

Gilson Cruz

Veja mais em:  O tempo ( Contador de histórias) – Jeito de ver.

O ontem ( um conto simples )

O Início do dia

Acordei meio desesperado, era o dia do meu casamento e quase perdi o horário, de novo.

Levantei às pressas e vi que as coisas estavam bem diferentes.

A casa, a cama, a escrivaninha, o gato, a cachorrinha – não eram mais os mesmos…

Corri até a sala que não era mais a mesma e vi o calendário que não era mais o mesmo, que marcava uma data, que lógico… não era mais a mesma.

As mesmas pessoas passavam com a mesma pressa, fugindo do mesmo calor – torcendo pelas mesmas nuvens de chuva, que certamente não desaguariam …

Parecia o ontem…

Então resolvi fazer um exercício, pensei:  – “Acho que já vi este dia…”

E comecei a narrar as coisas de que me lembrava…

“Daqui a pouco, a vizinha vai colocar o lixo no lugar errado novamente…”

“Seu Carlos, o carteiro, vai me trazer a mesma carta… e também vai reclamar do sol e vai me falar de sua aposentadoria que esta se aproximando…”

“Meu amigo Tomaz, retornará da maratona – com mais uma medalha…”

“Ranne fará novamente ( ou pela primeira vez) aquele blues…”

“Paulinho me convidará para o lançamento do livro “Minhas poesias”…”

“O ônibus vai atrasar novamente, então vai dar tempo…”

E as coisas iam acontecendo conforme eu previa – ou sei lá, conforme eu já tinha visto.

Rodrigo me dizia: -“Cara, pensa bem…”

E enquanto ele falava novamente, as mesmas coisas, a minha mente narrava os passos seguintes daquele dia…

As mesmas coisas

O carro atrasado…

Minha mãe desesperada…

A incerteza do futuro…

A certeza de que eu não saberia mais narrar o amanhã.

E novamente. o carro das oito passou às onze e meia, em ponto! Meu Deus, não atrasou nem um segundo!

E entrei no mesmo ônibus, rumo à mesma cidade.

Passando pelas mesmas curvas, ouvindo as mesmas queixas do motorista, que dizia ao Fabrício – o jovem cobrador:

-“A gente não vai ter tempo nem pra almoçar…”

As mesmas pequenas cidades passavam e as mesmas pessoas embarcavam. Por um momento, pensei: -“Acho que vou fazer algo diferente…vou mudar este dia!” – Comecei a contar piadas, entreter os passageiros que riam, a cantar com os bêbados que se divertiam nas últimas poltronas…

E quando me dei conta, foi exatamente isso o que fiz, ontem!  Eu estava preso!

Desesperado, pensei em sair do carro, sair correndo e quando levantei, percebi – o ontem não se muda, ainda que acorde nele!

Não daria para mudar o ontem, o ontem já estava moldado.

O futuro ainda era incerto…

Então, resolvi deixar o o ontem acontecer.

Novamente, coloquei o lixo da vizinha no lugar certo, agradeci ao Seu Carlos e desejei a felicidade que ele merecia, após tantos anos de serviço…- Eu não sabia que seu coração não resistiria por mais quatro anos, o futuro era incerto.

Ele faleceria aos 54 anos.

Chorei novamente com o blues na voz do Ranne e me emocionei novamente com as poesias do Paulinho.

Contemplei cada curva da estrada, rindo do incentivo do Rodrigo.

E quando cheguei ao destino, o destino me aguardava com um lindo sorriso.

Chateada, estressada, com uma irmã maluquinha pela casa, enlouquecendo todo mundo…

E as coisas aconteceram novamente naquele ontem cheio de surpresas, que eu não poderia mudar –  mesmo que tentasse por milhares de vezes.

E assim para sempre seria a minha vida.

O futuro certamente traria novas e belas histórias, que seriam contadas num  dia – como um dia, o ontem.

Veja mais em: O tempo ( Contador de histórias) ‣ Jeito de ver

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