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Cachorros abandonados – o que fazer?

Um velho cachorro. Muitos animais morrem durante festividades que envolvem queima de fogos. Veja a história de Duke.

Imagem de Rajesh Balouria por Pixabay

 

Um cão chamado Duke

 

Você consegue imaginar a seguinte cena?

Festejos de virada de ano,  shows de fogos de artifício, clarões, barulho, sim, muito barulho – turistas e moradores locais entusiasmados olhando o céu, extasiados com a coreografia dos fogos, bebendo, cantando, celebrando o fim de ciclo de mais um ano.

Neste exato momento, o Sr. José, sim, o chamaremos de José, morador de rua, está desesperado tentando abafar os sons e acalmar seu companheiro, o Duke* (chamaremos de Duke) seu amiguinho de quatro patas, um SRD de três anos que o acompanha desde o nascimento.

Duke, é um cachorrinho amoroso, brincalhão e a melhor companhia contra o tédio.

Uma lembrança de que mesmo em tempos difíceis, alguém vai estar lá apenas por te amar.

Duke ama o José, mas está desesperado.

E o Zé, também está desesperado.

Ele sabe que os cachorros têm a capacidade auditiva maior que a dos humanos e que, para eles, barulhos acima de 60 decibéis, que equivale a uma conversa em tom alto, pode causar estresse físico e psicológico, pois o ouvido canino é capaz de perceber uma frequência maior de sons, e podem detectar sons quatro vezes mais distantes, se comparado a humanos. -(Fonte: Fogos, bombas e rojões: saiba o risco que isso pode causar nos animais – Voz das Comunidades)

Duke, o pequeno companheiro, infartou naquela noite.

Muitos animais morrem durante festividades que envolvem queima de fogos. Exemplos nos posts abaixo:

Cachorro morre durante queima de fogos, no réveillon | Bom Dia Rio | G1 (globo.com)

Mulher relata morte de cadela após queima de fogos de artifício no revéillon – Nacional – Estado de Minas

A história acima tem o nome dos protagonistas trocados, mas aconteceu no Rio de Janeiro, Brasil.

Caso você tenha um cachorrinho de estimação já percebeu como ele fica agitado com as bombas e sons altos? Nestes casos seria bom deixá-lo pela casa à vontade e tentar minimizar os efeito dos barulhos e treiná-lo para que aos poucos ele se acostume com sons diferentes.  – Fonofobia: seu cachorro tem medo de barulho? – BLOG.Petiko

Mas, quando se trata de cães que vivem nas ruas (sim, eles existem!) seria necessário uma política para conter os danos.

Uma política voltada para o cuidado de animais.

Não como aquelas em que prefeitos mandam recolher os pobres bichinhos para o abate, que além de cruel – é criminosa. Veja um exemplo na matéora do post: -Prefeitura na BA publica decreto que determina abate de animais abandonados em vias públicas | Bahia | G1 (globo.com)

Criar canis, investir em veterinários, criar programas de incentivo a adoção responsável, seria questão de saúde pública, contudo, infelizmente, quando a maioria dos políticos pensam neste problema, que são os cães abandonados, não entendem (ou fingem não entender) que o problema é o ABANDONO, não os cães.

Por isso, pensam apenas matá-los. Termo mais sincero para o comum “abatê-los”.

Buscam a solução mais fácil, pois se até mesmo a humanos em necessidade muitos políticos tratam como nada além de votos necessários, ou escadas necessárias,  que pensar das criaturinhas que não votam?

Lamentavelmente, esse tem sido o cenário.

Respeitar a vida está entre as principais virtudes de um ser humano.

Quanto ao dono do Duke, anda pelas ruas, sozinho e as pessoas não o notam.

Estão ocupadas demais olhando para cima. Não se importam, também com os HUMANOS.

 

Nota> O nome Duke foi escolhido por causa de um cachorro que foi espancado a pauladas, numa praça pública na cidade de Seabra, Bahia. Espancado, por animais sem raça definida, não deviam ser humanos, apesar de parecerem.  Até o momento ninguém foi preso, até o dia da reportagem.  O verdadeiro Duke morreu, em consequência dos espancamentos. – Cachorro é espancado a pauladas em praça na Bahia; animal foi atingido com pelo menos 8 golpes | Bahia | G1 (globo.com)

 

Leia também:  Os meios de comunicação e a política ‣ Jeito de ver

 

 

 

Caminhos de ferro ( Um conto)

Uma lembrança antiga...Leia

Imagem de SnottyBoggins por Pixabay

Lembro o misto, aquela composição que nas Quintas-feiras levava pessoas e cargas para o leste, às 13:15. Você lembra?

Partir nunca foi o momento mais alegre da vida, mas aquele momento era especial.

Sandrinha, vestida de verde, acenava e deixava nos lindos lábios o mais belo sorriso.

Então, o trem seguia, rumo ao leste.

Constante.

Trilhos, pedras, paisagens secas às margens de um rio e antigas pequenas cidades às margens da ferrovia.

As pessoas que viam o passar do trem, acenavam ao maquinista que respondia com risos, longos e estrondosos apitos, daquela buzina escandalosa.

Crianças viam heróis. Moças viam paixões e aventuras, mas dentro da composição, as pessoas esqueciam de contemplar o tempo que agora era disponível e também as histórias ao redor, estavam ocupadas com a pressa.

Então decidi voltar novamente a minha atenção ao mundo lá fora.

E vi o por do sol.

Montanhas, descidas incrivelmente lindas e assustadoras anunciavam a chegada a Contendas do Sincorá.

Era noite, as pessoas corriam para receber parentes, para vender seus produtos e outras  para embarcar.

As horas passavam e a velha cidade ficava pra trás.

Trilhos, pedras, montanhas e novas paisagens.

A saudade e a despedida

Até o bendito trem resolver descarrilar… e longas três se passaram.

As queixas não eram tão interessantes…

Reclamações, queixas, um reggae no toca-fitas do Nilson e a expectativa ansiosa.

E chegamos, madrugada de Sexta. Brumado estava quente.

Dois dias, passaram como segundos e hoje, não lembro absolutamente nada do que aconteceu neste período – são longos 37 anos… mas lembro de querer voltar e ver novamente aquele sorriso, o sorriso de Sandra.

E depois dos trilhos, das pedras, das velhas cidades, eu estava de volta.

E ela estava lá, de blusinha verde, de short vermelho e de riso nos lábios.

Rindo, brincando e a dizer: ” Agora é a minha hora de partir…”

E de longe, vi o carro, estradas para o Sul… montanhas…céus… não consegui sorrir.

Senti falta dos risos.

Ela jamais voltou.

Gilson Cruz

Veja mais em: O tempo ( Contador de histórias) – Jeito de ver.

Lembrando os velhos seresteiros

O Último Encontro dos Velhos Seresteiros

Havia uma barraquinha próxima ao muro da igrejinha, na praça que hoje é conhecida como a Praça dos Ferroviários. Era o ponto de encontro dos velhos seresteiros!

Chegavam aos poucos, cada um trazendo o seu próprio instrumento: violões, pandeiros, cavaquinhos… e enquanto a cidade se preparava para dormir, a melodia ditava o ritmo dos sonhos.

Ser menino era meio complicado.
Eu ficava à distância, sentado à porta da minha casa, observando cuidadosamente a entonação e decorando quase todo o repertório.

A “Morena Bela do Rio Vermelho” se envaidecia, mas não podia ouvir o clamor de “Fica comigo esta noite” ou a angústia apaixonada de “Onde estás agora?”

Seu Júlio puxava o coro: “Hoje que a noite está calma…” e, num Sol Maior perfeito, as vozes se encaixavam, dando à noite a impressão de harmonia entre lua, estrelas e apaixonados.

“Maria Helena” era a verbena daquela noite. “Meu Grito” era a oportunidade de desabafar entre “Os Verdes Campos da Minha Terra”. Às vezes, os músicos cansavam. Então, Seu Júlio, amigavelmente, trazia água para os amigos.

Prontinhos, agora hidratados, voltavam risonhos e com muito mais empolgação e emoção para cantar.

Entre “Negue”, “Ronda” e “Vou Sair Para Buscar Você”, chegava a hora de partir. E cantavam “A Volta do Boêmio”.

Era uma reunião de amigos.
Era um show de amigos para amigos.

O Fim de Uma Era

Esses encontros aconteciam apenas nos finais de ano. A cada ano, porém, o número de velhos amigos da serenata diminuía.

Eram quase trinta no início. No último encontro que pude contemplar, restavam apenas seis.
Músicos passam. Músicos morrem.

Por fim, Seu Júlio também faleceu. As serenatas acabaram.

A barraca foi demolida e, em seu lugar, construíram uma linda pracinha. Não há marcas ou lembranças daquele terreno onde a velha barraca resistia entre velhos arames.

Novos e belos músicos nasceram, mas jamais saberão o que era sentar entre amigos, rir das próprias falhas, cantar no mesmo tom sem competir. Eles não compreenderão como é bom cantar junto, dividir o prestígio, a emoção, o momento. Assim como deve ser a arte.

A Celebração da Amizade

Talvez a lua não provoque mais a mesma emoção. As pessoas mudam com o tempo e podem pensar que seria tolice cantar sob noites enluaradas.

Mas os seresteiros sabiam: não era a lua em si. Era a celebração da amizade, do amor, em belas e antigas canções. Eles sabiam que um dia tudo aquilo passaria e, por isso, precisavam se encontrar. A lua era apenas um pretexto.

Que os novos amigos encontrem sempre um motivo para se reunir, para celebrar. A vida passa.

Hoje, depois de tanto tempo, me pergunto: “Os velhos, incansáveis seresteiros quase não paravam. O que será que tinha naquela água que Seu Júlio servia?

Gilson Cruz

Leia mais em O tempo ( Contador de histórias) – Jeito de ver

O mundo anda bem complicado…

Jornais. As notícias afetam o nosso humor e a nossa saúde.

Imagem de Luisella Planeta LOVE PEACE 💛💙 por Pixabay

Um Dia de Desafios e Reflexões

O dia não estava bom…

O intestino me lembrou de sua existência, gritando e exigindo atenção, enquanto o estômago, enciumado, também queria um pouco de amor — e resolveu protestar.
Para completar, a otite resolveu me visitar justamente um dia após a vacina.

Meu pobre cérebro, sem muita paciência para administrar esses egos, decidiu medicar-se e, logo depois, entregou-se ao sono. Acordou com uma disposição imensa para ver o que estava acontecendo no mundo.

Decidiu me distrair nos portais de notícia, em busca de algo interessante que pudesse dar aquela moral. “Quem sabe uma boa notícia?”, pensou.

E assim, começou a aventura.

Entre Clickbaits e Ecossexualidade

Os sites traziam propostas nada interessantes: o antes e depois de um ator famoso ou os destaques de outro ator que se declara ecossexual (um termo que eu não conhecia).

“— Deve gostar da natureza…”, pensei, quase acertando.

Descobri que ecossexualidade é a fusão entre ambientalismo e sexualidade, focada no amor pelo planeta.
E não é que as piadinhas tolas da quinta série fizeram a festa na minha cabeça? Mas, convenhamos: a quem interessa esse assunto?

Resolvi esquecer as piadas e seguir em frente. Novos quadros falavam sobre biquínis de famosos, feitos de lã, crochê, fios de ouro, couro, cordas de guitarra, contrabaixo, ukulele… ou quase isso. Empolguei-me um pouco, admito.

“— Mas a quem interessa tudo isso?”, perguntei novamente.

Notícias Seriam Notícias?

A busca continuava. Lá estavam algumas tragédias perdidas entre um mar de futilidades:

  • “Corpo de criança de dois anos, desaparecida, é encontrado no Paraná.”
  • “CPI’s e CPMIs.”
  • “Mísseis da Coreia do Norte caem no Japão.”
  • “Grampo telefônico confirma participação de jogador brasileiro em estupro.”
  • “Ciclista cai em curva durante corrida e morre.”
  • “Congresso pressiona por mais recursos e cargos e reclama que o governo não sabe dialogar.”

Isso cansa!

“Seleção fará partida amistosa e usará uniforme preto contra o racismo.” Pensei: “Vão exibir aquela faixa: ‘Diga Não ao Racismo’ ou ‘Com Racismo Não Tem Jogo’ e, como sempre, não farão nada além disso.” Hipocrisia! Não consigo acreditar que haja algum interesse maior que dinheiro nessas instituições.

Meu cérebro, no entanto, me corrigiu: “O objetivo é distrair, não se estressar.”

E as notícias continuaram:

  • “Goleiro se machuca, será substituído.”
  • “Governo incentiva aumento na venda de carros” (com o meu salário, nem dá pra imaginar comprar um).
  • “Ciclones no Sul.”
  • “MC, cujo nome lembra os palhacinhos da infância, tem show cancelado novamente.”
  • “Modelo tem galinheiro com piscina, poleiro e iluminação.”

“Mudou a minha vida”, ironizou meu cérebro.

Um Mundo Complicado

Informações sérias e banais lutam pelo mesmo espaço, e eu me sinto cansado.
Clickbaits, anúncios sem sentido e muitas notícias que nem deveriam estar lá. Afinal, a palavra “notícia” vem do latim notitia, que significa algo que merece notoriedade.

“Informam, mas não acrescentam em nada. Não precisavam estar lá”, reclamou meu cérebro, já impaciente.

Mas os portais precisam sobreviver, e por isso as notícias sensacionalistas estão sempre de mãos dadas com algum anúncio.

Depois de perder meia hora buscando distrações, meu cérebro descobriu: dormir é um excelente remédio!

E no que ainda restava do dia, ele me entregou aos sonhos. Pois, nem sempre, viver é melhor que sonhar.

Gilson Cruz

Leia mais em  Perigo nas redes sociais – como o se proteger – Jeito de ver

Entendendo um pouco de política (Educação)

Três Poderes. Como fuinciona o Sistema Político no Brasil?

Imagem de Nill Matias por Pixabay

O que você sabe sobre Política?

Como funciona o sistema político brasileiro?

Política envolve a organização, direção e administração de nações ou estados. As principais correntes políticas — direita, esquerda e centro — tiveram origem na Revolução Francesa, em 1789. Na Assembleia Nacional, os partidários do rei sentavam-se à direita, enquanto os simpatizantes da revolução, que buscavam mudanças na distribuição de renda e nas condições de trabalho, posicionavam-se à esquerda. Com o tempo, os moderados passaram a ocupar o centro. Essa divisão permaneceu após a criação da Assembleia Legislativa, em 1791, consolidando os termos que usamos até hoje.

Durante a Revolução, a fome extrema na França e a desigualdade — com nobres desfrutando do melhor enquanto os salários mal compravam um pão — alimentaram o desejo de mudança. Cenários semelhantes despertam reflexões em diversos países, incluindo o Brasil.

O sistema político brasileiro

No Brasil, o Poder Executivo Federal é liderado pelo Presidente da República, auxiliado pelos Ministros de Estado. No entanto, o Presidente não governa sozinho: as decisões passam também pelo Congresso Nacional, composto pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal. Juntos, esses poderes discutem, aprovam e fiscalizam as políticas públicas.

A Câmara dos Deputados, com 513 representantes desde 1993, é responsável por debater e votar propostas relacionadas a áreas econômicas e sociais, como educação, saúde, transporte e habitação. Também fiscaliza a aplicação dos recursos arrecadados por meio de impostos.

A influência da Câmara na governabilidade

Um exemplo marcante dessa dinâmica ocorreu em 2016. Eduardo Cunha, então Presidente da Câmara, enfrentava problemas na Justiça e pediu apoio da então Presidente Dilma Rousseff. Não sendo atendido, Cunha articulou pautas-bombas junto ao Centrão, que minaram a popularidade do governo e dificultaram a governabilidade.

O processo de impeachment foi motivado por decretos que autorizaram a suplementação orçamentária sem aprovação do Legislativo, supostamente contribuindo para o descumprimento da meta fiscal. Mais tarde, verificou-se que não houve desvios de recursos, mas sim um projeto político para retirar direitos trabalhistas e consolidar o poder de aliados do Congresso e do Executivo. O caso ilustra como interesses políticos podem se sobrepor à governabilidade.

Em contraste, em 2023, o Tribunal de Contas da União (TCU) aprovou com ressalvas as contas do ex-presidente Jair Bolsonaro relativas a 2022, destacando distorções que somavam R$ 1,28 trilhão. Apesar disso, houve pouca reação de parlamentares ou manifestações populares. A situação reflete o papel do Congresso, que participou ativamente do governo durante esse período.

O peso do Congresso e seus interesses

No Brasil, o Congresso exerce pressão constante sobre o Executivo, buscando recursos e controle de setores estratégicos. Recentemente, houve disputas envolvendo os Ministérios da Saúde e do Meio Ambiente, refletindo os interesses de grupos ruralistas e empresariais. Um exemplo é a tentativa de acelerar a votação da lei do Marco Temporal, que impacta terras indígenas e despertou críticas nacionais e internacionais.

Reflexão final

No sistema político brasileiro, o Presidente governa sob pressão de um Congresso que, corrupto ou não, influencia diretamente a governabilidade. Por isso, a responsabilidade pelos resultados deve ser compartilhada entre o Executivo, o Legislativo e os demais agentes envolvidos.

O Jeito de Ver é um blog apartidário que não endossa ideologias políticas ou rivalidades. Nosso objetivo é promover o conhecimento para que possamos melhorar o que é possível hoje e trabalhar pelo que ainda não é viável. Recomendamos a leitura dos links indicados, que oferecem detalhes enriquecedores para aprofundar seu entendimento sobre o tema.

Gilson Cruz

Leia também O papel da imprensa e a História ‣ Jeito de ver

Zé da Ladeira – uma história de futebol.

Uma bola. Um conto bem humorado sobre o menino Zé da Ladeira, o Rei do Futebol ( - que não foi!)

Imagem de brokerx por Pixabay

 

A Ascensão do Zezinho

Ninguém jogava tão bem quanto o Zezinho, que morava lá no fim da vila, no pé da ladeira, na casa 113. Poucas pessoas acreditavam que aquele magricela, driblador, faria tanto sucesso no bairro. Mas seu pai, o senhor José, o levava diariamente para os testes, pois sabia que ele era realmente bom.

O tempo o preparava… até que o dia chegou. Robson, o principal jogador da vila, torceu o tornozelo numa dividida com Marquinhos. Era apenas um treino, mas Robson não conseguiu tirar o pé do quarto buraco na lateral da grande área. E lá ficou o moleque, chorando e desesperado, pois o encontro dos bairros aconteceria e ele não jogaria.

Era a chance do Zezinho. Seu Lourival não tinha reservas no banco e, vendo o menino franzino ansioso por entrar, pensou: “É apenas um treino!” Convidou o Zé e, em tom de brincadeira, disse: “Arrasa aí, moleque!”

E o moleque arrasou. Na primeira bola, soberbo, driblou seu próprio companheiro de time, enganando os adversários que não entenderam aquilo. Desafiando as leis da gravidade, voou até a entrada da grande área e chutou suavemente a pelota, que morreu no ângulo direito. O goleiro voou ao máximo, mas onde a bola entrou, nem o Zetti chegaria.

O Fenômeno da Ladeira

O Zezinho arrasou, mas algo chamava a atenção. Sempre que ameaçado, ele rolava, se contorcendo, como se estivesse morrendo. Quando o treinador, convencido, assinalava a falta, ele levantava feliz, zombando do adversário. “Antipático”, diziam os colegas, e entre estes ele ganhou o nome de Zezinho da Ladeira, pois rolava como se estivesse descendo a ladeira da rua onde morava toda vez que esbarrava em alguém.

E os juízes sempre expulsavam o adversário, mesmo nos treinos! Seu Lourival ficou encantado: o time da vila teria agora um gênio, uma arma secreta contra as defesas dos outros bairros. E assim aconteceu. Nos torneios do bairro, aquele menino brilhava e o time ganhava tudo e de todos: 10×1 nos Pernas Quebradas Esporte Clube, 9×3 no Tamanco Social e incríveis 7×1 na seleção de Pardais Famosos, o maior campeão dos torneios.

A fama crescia. Todos queriam falar do Zé, a maior promessa do futebol. O pai do Zé via o futuro: oceanos de dinheiro na conta dele e do Júnior. Os músicos cantavam “Tocou no Zé é gol”, e os locutores dos torneios bajulavam o moleque até mais do que os políticos e patrocinadores. Para os locutores, ele não era mais o Zé da Ladeira; era o Menino Zé.

A Queda do Ídolo

O Zé cresceu mais que o time. Começou a humilhar os colegas, não respeitava os adversários e chegou a contratar locutores para cantar suas vitórias, ganhando mais fãs. Mandou até o seu Lourival calar a boca! Depois dos torneios de bairro, a meta era o título da cidade. Eles ganharam, mas os locutores, comprados, transformaram os onze que se mataram em campo em meros coadjuvantes. Graças ao Zé da Ladeira, o time da rua era agora campeão municipal.

Era a hora de enfrentar as potências do estado. Com fama e dinheiro, o Zé descobriu que bastava se jogar e rolar pelo chão para garantir vantagem. Ou o adversário ficava irritado e o agredia, sendo expulso, ou o juiz expulsava o adversário antes mesmo disso acontecer. Expulsando a todos e rolando pelo gramado, o Zé ganhou títulos, dinheiro e comprou tudo que o dinheiro podia comprar: casas, barcos, aviões, carros e até um caminhão cheio de amigos.

E foi embora do time do bairro, que acreditava que ganharia algo por descobrir aquele talento. Desde então, o time foi definhando aos poucos, vivendo apenas das memórias de um menino magricela que rolava como uma bola nos gramados. Restam agora apenas um campinho seco, traves quebradas, e nem mesmo o Sr. Lourival desfila por lá.

Hoje, para mostrar que ainda lembra a sua origem, Zé da Ladeira contrata cineastas para produzir um lindo documentário sobre sua vida, com depoimentos inventados, arrancando lágrimas dos antigos torcedores. E, claro, enchendo a pança de dinheiro.

Os trouxas, enganados, continuarão cantando: “Tocou no Zé é gol” e, ao assistir à sua trajetória, dirão: “Pobre Zé da Ladeira”. Enquanto isso, o pobre Zé, rolando e enrolando a todos, continuará enchendo ainda mais a pança de dinheiro!

Gilson Cruz

 

Veja também:  Quiprocuó Esporte Clube – Falando de futebol ‣ Jeito de ve

 

 

 

A mais bela voz ( Uma história)

Escrevendo. Um texto sobre um amigo de verdade.

Imagem de jlxp por Pixabay

Sabe aquele tipo de pessoa que parece impossível de esquecer?
Sim, essas pessoas existem!

Quando eu ainda era jovem (e isso já faz muito, mas muito tempo!), lembro de um período de depressão.

Era um tempo de perdas, de afastamento da família e, sinceramente, eu não sabia o que fazer…

Morava na cidade da minha paixão, um pequeno município chamado Santa Terezinha, no interior da Bahia.

Silêncio e amizade

A cidade era pequena, acho que ainda é. A praça tinha grandes árvores, o vento adorava soprar no meu telhado, eu tinha medo dos raios e trovões, e um escorpião resolveu me picar só para me lembrar que eu não estava sozinho no mundo… Ah, e a dengue também me pegou duas vezes, de jeito!
Mas o povo era amável, e os dias eram bem ocupados.

Sim, os dias eram ocupados. Trabalhava o dia inteiro e, sendo jovem, não tinha muitos amigos.
Até que, num desses meses de junho, recebi a notícia de que uma das melhores pessoas que conheci, que amava de coração, havia falecido em seus vinte e poucos anos…
Confesso que não queria ter amigos por perto! E, até hoje, não sei por quê.

E então, num desses dias, ele aparece.
Me convida para passar em sua casa.
E, na maior simplicidade, me apresenta algo que um péssimo guitarrista como eu só tinha visto a centenas de quilômetros de distância. Não resisti à tentação. Lembro do espanto:
“Rapaz, que arsenal!”
Mesas de som, caixas, microfones, guitarras, baixo, teclado… Ele sabia que eu cantava razoavelmente mal, mas fazia questão de que eu cantasse!

Ele não dava conselhos, apenas respeitava o silêncio, a dor… E, quando podia, me ajudava a desabafar com aquilo que me agradava.

É engraçado como hoje tenho mais ou menos a mesma idade que ele tinha naquela época… E percebo quanto sofrimento devia ser para aquele sujeito de bom ouvido escutar um moleque tão desafinado!

Mas ele escutava, escutava, escutava…

As memórias que ficaram

Anos mais tarde, encontrei uma daquelas fitas que ele costumava gravar.
Numa das faixas, ele tocava suavemente um piano elétrico — talvez num Dm (Ré menor), não lembro mais —, enquanto eu, com uma guitarra Giannini Craviola, fazia o possível para não estrangular a música…
E a música fluía, entre gargalhadas e brincadeiras.
E ele soltava a voz…
A voz mais tranquila e afinada…
Que gostava de rir…
E que se calava quando o silêncio ajudava.

Ah, antes que eu me esqueça: estraguei a música, como de costume… mas só um pouco!

Uma melodia inesquecível

Hoje, um tanto mais velho e com a audição comprometida, consigo ouvir em meu coração cada nota, cada palavra… cada silêncio daquela pessoa, daquele amigo lá da minha juventude.

É bom ter pessoas que não esquecemos. Essa é, sem dúvida, a mais bela voz que pode existir.

Ao meu amigo e irmão,
Rogério Alves.

Veja mais em Depressão – como ajudar? (Informativo) – Jeito de ver.

RECORDAÇÕES ( Um momento de reflexão)

Recordar... é viver ou sofrer na saudade.

Imagem de andreas160578 por Pixabay

Estação ferroviária de Queimadas, Bahia.

GChaves

Recordar… é viver ou sofrer na saudade.

Às vezes nos encontramos em pensamentos perdidos, também conhecidos como lembranças. Pensamentos esses que nos levam a lugares distantes, tão distantes que nos remetem ao passado. E desse passado, memórias de momentos bons e ruins da vida (ruins porque certas lembranças doem, certas saudades doem, doem muito!).

Pelo menos é sempre assim comigo. Ainda mais quando se trata de momentos vividos, da infância. Até pequenas mensagens tocam fortemente no peito, e a sensação de aperto me traz quase sempre lágrimas nos olhos.

Parte de uma mensagem poética, da qual não conhecia o autor, mas conhecia a pessoa que com carinho me enviou por saber da minha sensibilidade a bons textos, diz assim:
“Como era belo esse tempo
De tão doces ilusões,
De tardes belas, amenas,
De noites sempre serenas,
De estrelas vivas e puras;
Quadra de riso e de flores
Em que eu sonhava venturas,
Em que eu cuidava de amores”.
(Casemiro de Abreu)

Quando deparei com a linda mensagem, minha mente retrocedeu, obrigou-me a percorrer por lugares vividos, e no espaço entre o meu peito, uma fenda se abriu, sugando a minha resistência de adulto e me aprisionou, fazendo com que sentisse como uma criança insegura, que carece do afago de mãe, aquela atenção que só o amor materno prestaria.

Dentre os caminhos em recordações percorridos, estive na primeira cidade do interior. Anteriormente, a minha família residia na capital e, por circunstâncias que desconhecia, nos mudamos. Imagine, na mente e visão infantil, a transferência de um lugar agitado para um lugar onde a viagem de mudança foi feita dentro de um trem de passageiros “que hoje raramente existe”, observando o movimento e o som da estrada de ferro, bem como as admiráveis paisagens naturais, os lugares passados, as novas denominações a cada parada, pois as paradas eram nas cidades onde tinham estações.

Alguns lugares até mesmo neblinavam e tornavam impossível observar além de alguns poucos metros. Ahhh!!!!… como era gostoso e ao mesmo tempo assustador! Expectativas causam euforia e medo!

Enfim, chegando ao novo destino, ‘cidade do interior’, tudo era novo. Novas visões de um novo lugar: estação, balaustrada, depósito de máquinas e vagões, caixa d’água com a sigla da rede ferroviária “LB-Leste Brasileira”. Até o ar, percebia-se, era diferente, mais suave, era saudável. Andorinhas e cardeais sobrevoavam, compartilhando com harmonia do mesmo espaço ao céu.

Adiantando alguns dias na nova morada, uma casa enorme, cheia de quartos, até mesmo no quintal ‘que era imenso!’, e também muitas árvores frutíferas.

E o rio?! Conheci até mesmo um rio, pois então só tinha noção realística do mar, água salgada. Não mudei da água para o vinho ‘literalmente’, mas mudei da água salgada para a água doce, as águas do Rio Itapicuru. E lá, às margens do rio, encontrava-se um lugar muito bem frequentado: a INGAZEIRA, área onde a população frequentava por ter árvores frondosas, que eram muito bem aproveitadas como trampolim.

Realmente, como era belo esse tempo, de tão doces ilusões, de tardes belas, amenas…

Ahhh!!!! Queimadas! De Salvador-Bahia, lugar agitado, onde não se confiava segurança aos filhos na rua, para Queimadas-Bahia, lugar onde o contato com a natureza lhe permitia até mesmo tirar leite de vacas (no meio da rua). Mas isso fará parte de uma próxima recordação.

Gilmar Chaves 23/05/2023

Leia mais  O tempo ( Contador de histórias) – Jeito de ver

E LÁ ESTAVA ELE! ( um dia incomum)

Um Velho Senhor parado no tempo.

E lá estava ele.

GChaves

Reflexões no trajeto urbano

Sempre a passeio pelas ruas da cidade, contemplando momentos de descontração e reduzindo obrigatoriamente a velocidade no trajeto urbano (devido aos quebra-molas), os pensamentos fluíam em uma concentração necessária. Talvez, assim, o estresse e a ansiedade diminuíssem, proporcionando àquela mente inquieta um pouco de alívio.

Porém, num certo dia, enquanto seguia o mesmo caminho, algo chamou a atenção. Uma cena, aparentemente familiar, repetia-se.

O senhor do tempo

No passeio de uma humilde residência, lá estava ele!
Um senhor que imediatamente capturou o olhar. Sentado com o olhar fixo no vazio do tempo, suas pernas cruzadas, jeans surrado, camisa de mangas compridas, sandálias Havaianas pretas e um relógio — talvez um Oriente — compunham sua figura serena.

Era perceptível que ele pertencia àquela humilde residência e ao mesmo tempo transcendia o lugar, perdido em pensamentos que só ele compreendia. A imobilidade daquele corpo contrastava com a intensidade de sua mente, que parecia viajar para lugares desconhecidos.

Seu semblante carregava o cansaço de um passado que provavelmente o marcara profundamente. A pele enrugada revelava o tempo vivido, enquanto a falta de expectativas no olhar sugeria que ele aceitara o ritmo lento e descompromissado dos dias. Era como se o senhor e o tempo compartilhassem o mesmo espaço vazio e sem pressa de avançar.

A companhia inesperada

Dias depois, em outro passeio pela cidade, o cenário se repetiu — mas com um detalhe novo e surpreendente.
Era um dia chuvoso, com chuviscos escorrendo pelo para-brisa. E lá estava ele novamente, sentado na mesma posição serena, como se nada pudesse perturbar sua paz.

Dessa vez, porém, havia um companheiro: um cão vira-lata de pelagem branca com manchas pretas — ou preta com manchas brancas, isso pouco importava. O que realmente fazia diferença era o vínculo entre o homem e o animal. Sob as gotas de chuva, enquanto o senhor olhava para o vazio do tempo, o cão deitava-se ao seu lado, compartilhando o momento de calma e silêncio.

Parecia que o homem, envolto em suas realidades internas, havia encontrado em seu fiel amigo uma presença que o conectava ao mundo exterior. Uma parceria simples, mas carregada de significado.

O que virá depois?

Certamente, ao passar novamente por aquela rua, a cena se repetirá: o senhor no mesmo lugar e talvez seu companheiro ao lado.

E, quem sabe, o observador ansioso e estressado tomará coragem para se aproximar, descobrir um pouco mais daquela mente que tanto despertou sua curiosidade, e aprender algo sobre a quietude que tanto busca.

Gilmar Chaves 21/05/2023

Gilmar Chaves, Professor, Poeta, Conselheiro e membro da formação inicial da Banda Experiência. A arte de observar e fazer parte da história.

Veja  mais em:  O tempo ( Contador de histórias) – Jeito de ver.

Ouvir estrelas (Poesia clássica)

Um casal na noite. "Ouvir Estrelas". Uma das mais belas poesias de Olavo Bilac.

Imagem de Mihai Paraschiv por Pixabay

“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto…

E conversamos toda a noite, enquanto
A via-láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: “Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?”

E eu vos direi: “Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas.”

(Poesias, Via-Láctea, 1888.)

Olavo Bilac

Conheça   O poeta ( Uma poesia simples) – Jeito de ver

Olavo Bilac (Olavo Braz Martins dos Guimarães Bilac), jornalista, poeta, inspetor de ensino, nasceu no Rio de Janeiro, RJ, em 16 de dezembro de 1865, e faleceu, na mesma cidade, em 28 de dezembro de 1918. Um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, criou a cadeira nº. 15, que tem como patrono Gonçalves Dias. – Olavo Bilac | Academia Brasileira de Letras

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