O Valor de um Sonho
O que é fazer valer um sonho quando todos os sinais te apontam o mais fácil, que é desistir?
Às vezes, insistir num objetivo é saber insistir, apesar das frustrações. Por exemplo, como se sentem poetas, bons compositores e arranjadores quando percebem a qualidade da música atual e as mensagens nas letras (quando há alguma mensagem!)?
Não me acusem de reacionário, moralista ou seja lá o que for, com aquela frase batida de que tudo é questão de gosto.
É verdade que alguém sempre reclamará da decadência musical ao longo das décadas, mas isso também pode significar que os estilos coexistem e que prevalecem aquilo com que se identifica a sociedade atual. Por isso, ainda exerço o meu direito de gostar daquelas canções que chocam pela beleza, pela harmonia entre melodia e letra…
Como se molda o gosto musical?
A Música como Produto
O fato é que a maior exposição musical é dada àquelas canções com potencial de vendas, mesmo que seja por um curto período de tempo e que serão substituídas por canções bem parecidas, com o mesmo objetivo de vendas, em que a música é apenas um mero produto a ser usado e descartado. Ninguém sentirá falta quando o sucesso passar.
A música não tem sido encarada como arte a se eternizar; reduziu-se a um produto, um mero produto.
E Quanto às Obras-Primas?
Você talvez pense: “Ah! O Spotify, o Deezer, o YouTube e outros meios estão aí. A pessoa pode procurar o que quiser!” É verdade, mas você sabia que boa parte do que você gosta foi apresentado por alguém ou por um meio de comunicação?
Isso significa que, se as pessoas forem expostas a apenas um ou dois estilos de música, de melodias simples, terão dificuldades em se interessar por arranjos e letras mais complexas.
A exposição a vários estilos musicais seria essencial para ajudar na formação artística e cultural do indivíduo. Mas, atualmente, isso não acontece.
O “Jabá Turbinado” e o “Sucesso”
Hoje vivemos o “jabá turbinado”, que funciona de maneira sutil, mas extremamente eficaz.
Empresários, especialmente do campo do agro/sertanejo, não apenas pagam mais para terem seus produtos expostos, compram também estações de rádio, que tocarão exaustivamente seus produtos. A estratégia é composta por passos bem definidos:
- Repetição Exaustiva: As músicas são tocadas repetidamente nas rádios compradas ou contratadas, garantindo que fiquem na cabeça do público.
- Construção de Empatia: Comentários sobre a vida pessoal dos artistas, muitas vezes elaborados estrategicamente, geram identificação e conexão emocional com o público.
- Narrativa de Superação: Biografias que destacam a saga do “herói humilde que alcançou o sucesso” são cuidadosamente construídas para comover e inspirar.
- Marketing Integrado: Notícias, fofocas e até intervalos entre as canções são utilizados para manter vivo o interesse do público.
Outros estilos musicais não têm espaço nessas emissoras, porque o objetivo principal é vender o produto. Em especial, em pequenas cidades, presume-se que o público seja menos informado e, portanto, mais suscetível à manipulação.
A consequência? Pressões e negociatas surgem.
Cultura e Política
A população dessas cidades, ao saber que um astro visitou uma cidade vizinha, passa a pressionar o administrador público para trazer o espetáculo. E, muitas vezes, o administrador cede, gastando mais do que o orçamento mensal destinado à saúde ou educação para atender à demanda.
Shows patrocinados por verbas públicas frequentemente estão associados a mau uso de recursos, isso quando não há desvios. Alguns argumentam que “não usamos a Lei Rouanet”, mas é preciso esclarecer:
A Lei Rouanet foi criada para incentivar o financiamento da arte com recursos privados, permitindo deduções no imposto de renda dos patrocinadores, sem utilizar diretamente dinheiro público.
O “Sonho” de Comunicar
Um amigo meu, desde jovem, sonhava em ter uma estação de rádio para promover artistas locais e tocar canções de todas as épocas. Durante um tempo, ele investiu em um serviço de alto-falantes, o “Som da Cidade”, que trazia uma programação eclética com espaço para todos os estilos musicais, notícias locais e até transmissões das sessões da Câmara Municipal.
Com o sucesso do Som da Cidade, ele decidiu investir numa rádio. O início foi promissor, mas os problemas não demoraram a surgir.
O clima político da cidade era acirrado. Ao apontar falhas da administração pública, foi agredido fisicamente em duas ocasiões, em administrações diferentes. As paixões pessoais estavam acima dos interesses públicos e culturais.
O comércio local não se interessava em patrocinar a rádio, e os administradores públicos temiam associar-se a quem poderia denunciá-los. Além disso, o custo com direitos autorais (ECAD) era desanimador para quem desejava iniciar uma pequena emissora.
Documentos, contas e processos descansavam sobre a mesa do pequeno escritório que ele montou com recursos próprios, mas o sonho de erguer novamente a rádio nunca se concretizou. Ele gostava de ter seu nome ligado à comunicação.
Nos últimos dias, ainda sonhava em lançar um livro contando toda a sua batalha, desde as dificuldades em manter uma rádio com identidade própria aos seus desafios na construção desse sonho.
Seria um ótimo livro!
Reflexões
Desde jovem, sempre sonhei em escrever memórias, histórias, poemas, músicas… o que me viesse à cabeça. Hoje, sem o meu amigo, me pergunto: será que vale a pena insistir nesse sonho, quando o caminho mais sábio parece ser desistir?
Falar de música, poesias, histórias…arte! Sei que tudo mudará, certamente, mas em que direção?
Haverá algum dia espaço para se conversar sobre notícias, poesias, histórias e músicas longe das paixões doentias que apenas dividem e afastam? Haverá espaço para a diversidade ou apenas o poder financeiro fará da pessoas fantoches, ditando o que fazer e ouvir?
Um dia, retornando do trabalho, deparei-me com o que costumam chamar de pichações num grande muro que separa o bairro mais distante do caminho de onde moro. Ao olhar com atenção, percebi que o que pareciam ser borrões transformava-se na face de um escritor quando eu atingia certa distância, mas desaparecia poucos passos à frente.
Confesso que não sei se o efeito era intencional ou mero acidente, mas aquilo me fez refletir sobre o que é a arte. Esse é o dom da arte: fazer pensar, refletir!
Não sei quem foi o autor daquela imagem, nem se ele desistiu depois daquela arte.
Assim como ele, escrevo apenas por escrever. Não sei se alguém, na distância do tempo, vai parar, olhar ou mesmo se preocupar em entender o que tentei dizer.
Desejo apenas que alguém veja minhas palavras como vi aquela imagem no muro: da distância correta, ganhando sentido e, talvez, revivendo minhas histórias.
Quando penso na arte e na cultura em geral, frequentemente desejo desistir. É, realmente, caminhar sozinho, a um horizonte muito mais fácil.
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