A Origem dos Militares e sua Relação com a Coroa Portuguesa
A história das forças armadas no Brasil remonta ao período colonial, quando a coroa portuguesa estabeleceu uma presença militar significativa para proteger seus interesses e manter a ordem.
Desde sua fundação, os militares estiveram intrinsecamente ligados aos objetivos da coroa, atuando não apenas como defensores, mas também como agentes de controle social. A lealdade dos militares à coroa era inquestionável, e sua atuação estendia-se à repressão de manifestações populares e à manutenção da hierarquia colonial.
Um dos exemplos mais notáveis dessa brutalidade militar ocorreu durante a Revolta dos Malês, em 1835, um levante de escravizados e muçulmanos que buscavam liberdade em Salvador, Bahia.
O governo português, temendo que a revolta se espalhasse, mobilizou tropas para reprimi-la. A resposta violenta dos militares não apenas sufocou o movimento, mas também enviou uma mensagem clara sobre o uso da força como meio de controle e repressão contra qualquer iniciativa que ameaçasse a estabilidade colonial.
Outro marco significativo na atuação militar ocorreu durante a Guerra dos Farrapos, que começou em 1835 e se estendeu até 1845. Os militares foram utilizados para combater os rebeldes do sul, demonstrando como as forças armadas eram vistas como elementos cruciais para a manutenção da ordem e da hegemonia da coroa.
Esse tipo de intervenção não foi isolado, mas repetido em vários conflitos ao longo do período colonial, estabelecendo um padrão de repressão e uso da força militar que, posteriormente, influenciaria a trajetória política do Brasil.
Ao longo dos séculos, essa relação de subserviência e repressão moldou a identidade das forças armadas, consolidando sua posição como atores centrais no jogo político brasileiro, com impactos duradouros na história do país.
O Golpe de 1889 e a Proclamação da República
O golpe de 1889, que culminou na Proclamação da República no Brasil, é um marco crucial na história do país, refletindo a crescente influência dos militares nos rumos políticos. A adesão dos militares a esse movimento não foi mera coincidência; ela resultou de uma série de fatores sociais e políticos que culminaram na demanda por mudanças no regime monárquico.
Percebendo a instabilidade da monarquia, que enfrentava crises econômicas e políticas, os militares se posicionaram como agentes de transformação e, ao mesmo tempo, como “garantidores da lei”. Essa autopercepção lhes conferiu um papel central na nova ordem republicana.
Um dos fatores desestabilizadores da monarquia era o avanço do processo de abolição dos escravizados, que causava grande apreensão entre as elites econômicas. Temendo o impacto sobre suas economias, a elite, com o apoio dos militares, planejou o golpe para manter suas vantagens, afastando um imperador adoecido.
Não houve comoção pública. Segundo o livro Os Bestializados, os pobres não entendiam o que estava acontecendo, enquanto a elite agia em favor de si mesma.
Uma das supostas razões para a adesão dos militares ao golpe foi o sentimento de insatisfação com as elites políticas da época, vistas como ineficazes e corruptas.
Muitos oficiais militares acreditavam que essas elites estavam mais interessadas em proteger seus próprios interesses do que em promover o bem comum. Essa percepção fortaleceu a noção de que era dever moral dos militares intervir em nome da nação. Essa postura contribuiu para a consolidação de uma visão elitista e corporativista da política brasileira, que perduraria ao longo do tempo, conferindo aos militares um papel privilegiado na nova república.
Os primeiros presidentes da república foram militares e perpetuaram o mesmo sistema elitista e corporativista, com um agravante: a repressão violenta a quem discordasse de seus métodos.
Por exemplo, Floriano Peixoto prendeu e condenou ao desterro em Cucuí, no Amazonas, José do Patrocínio, antigo abolicionista e forte crítico do governo.
Outro episódio emblemático foi o Massacre de Anhatomirim, ocorrido em 1894, durante a Revolução Federalista.
Sob o comando do coronel Antônio Moreira César, atendendo a ordens do presidente Floriano Peixoto, 298 pessoas ligadas à revolução foram fuziladas.
Ironia histórica, a cidade de Florianópolis recebeu esse nome em homenagem ao homem que ordenou o massacre.
As consequências desse golpe foram vastas e impactaram profundamente a estrutura política e social do Brasil. A Proclamação da República não apenas alterou a forma de governança do país, mas também estabeleceu precedentes que solidificaram a intervenção militar em questões políticas, prática que se tornaria recorrente nas décadas seguintes.
A visão de militares “como salvaguardas” da ordem e da justiça se perpetuou, moldando a interação entre os poderes civis e militares ao longo da história do Brasil.
A Atuação Militar Durante o Século XX e o Golpe de 1964
O século XX foi um período marcado por intensas transformações políticas e sociais no Brasil, culminando no golpe militar de 1964.
Esse evento, frequentemente confundido com uma revolução, foi, na verdade, uma ação de Estado que resultou na deposição do então presidente João Goulart.
Os militares, alegando a necessidade de restaurar a ordem em um contexto de crescente instabilidade política e econômica, tomaram o poder e instauraram um regime autoritário que perdurou até 1985. Documentos divulgados posteriormente revelaram o papel dos Estados Unidos nos bastidores, financiando o golpe e ampliando sua influência no Brasil.
Nos anos que se seguiram, a atuação militar consolidou-se em uma série de medidas “para assegurar o controle sobre o país”.
A promulgação de uma nova Constituição em 1967 foi uma dessas ações, visando legitimar o regime e criar uma estrutura política que perpetuasse a influência militar a longo prazo.
Essa estrutura era fundamentada em uma retórica de segurança nacional, que justificava repressões políticas e violações de direitos humanos como necessárias ao bem-estar da sociedade. O Ato Institucional nº 5 (AI-5) deixou claro que estava sendo instituída uma ditadura no Brasil.
O regime militar teve impactos profundos na sociedade brasileira, exacerbando desigualdades sociais e políticas. A repressão a opositores e a censura aos meios de comunicação foram estratégias amplamente empregadas para silenciar vozes dissidentes.
Além disso, os privilégios concedidos aos militares tornaram-se uma marca registrada do período, assegurados por leis que garantiam benefícios e vantagens aos integrantes das forças armadas. Nesse contexto, a elite militar consolidou sua crescente influência na política nacional.
Assim, a atuação militar no Brasil durante o século XX, especialmente no golpe de 1964, destacou-se não apenas pela condução direta da política, mas também pela criação de um legado de privilégios que ainda reverberam na sociedade contemporânea.
Esse capítulo sombrio da história brasileira continua a levantar questionamentos sobre o impacto duradouro dessas ações. Durante o governo de Dilma Rousseff, as Forças Militares se posicionaram contra a Comissão da Verdade, que tinha como objetivo esclarecer os crimes cometidos durante a Ditadura no Brasil.
Privilégios Conquistados e a Questão da Polícia Unificada
Os privilégios dos militares no Brasil, consagrados na Constituição de 1988, refletem uma continuidade histórica que remonta a períodos anteriores de repressão e autoritarismo.
Esta Constituição garantiu uma série de direitos que diferenciam as Forças Armadas e a Polícia Militar da sociedade civil, o que suscita debates sobre seu impacto na política e na segurança pública do país. Esses privilégios têm sido objeto de críticas, especialmente em um contexto onde a violência urbana se intensifica e novos desafios de segurança emergem.
No cerne dessa discussão está a proposta de uma polícia unificada no Brasil.
O objetivo dessa abordagem é integrar as diversas forças de segurança sob um comando único, promovendo maior eficiência e eficácia no combate à criminalidade. A criação de uma polícia unificada poderia levar à redução da duplicidade de esforços, além de otimizar recursos operacionais. Com uma estrutura coesa, a polícia unificada poderia implementar estratégias mais coordenadas e direcionadas, melhorando a resposta às demandas sociais e de segurança da população brasileira.
Entretanto, a transição para uma polícia unificada não é isenta de desafios.
A resistência por parte de setores que detêm privilégios, como os militares, pode dificultar essa proposta, pois estes possuem uma forte influência sobre a estrutura de segurança vigente.
A lógica militarizada que permeia as forças de segurança também levanta preocupações sobre a manutenção dos direitos humanos e da abordagem comunitária na atuação policial.
Assim, para que uma polícia unificada possa ser efetiva, será necessária uma reavaliação dos privilégios dos militares, promovendo um diálogo mais amplo entre os diferentes atores da segurança pública e a sociedade.
A atuação das forças militares brasileiras nas guerras não foi abordada neste post, mas será tema de artigos futuros.
Fonte:
A unificação das polícias é a solução para a crise de segurança no Brasil? | Jusbrasil
Há 125 anos 185 pessoas eram fuziladas na Ilha de Anhatomirim – NSC Total
Livro: O Reino que não era deste Mundo, Marcos Costa
Livro: Os bestializados, José Murilo de Carvalho
Revisão por AI.
Veja também: A falta de Educação Política e a corrupção ‣ Jeito de ver