“Não podem nos privar do direito sagrado de ter uma arma”, afirmam alguns.
“Se Jesus vivesse em nossos dias, possuiria uma arma.”
“Como poderia eu concordar com tais palavras?” – indagaria alguém de bom senso.
Tais declarações, embora proferidas por autoridades políticas e religiosas no Brasil em algum momento, não merecem crédito. A Bíblia descreve Deus como “a fonte da vida” (Salmo 36:9), e um dos 10 mandamentos mais conhecidos é “não matarás” (Êxodo 20:13).
Armas são feitas para matar, é claro. Portanto, não há como concordar com as frases destacadas no início deste texto.
Para começar, ter uma arma não é um direito sagrado. E, a propósito, Jesus não andava armado.
Imagine, então, uma história sobre uma arma diferente: uma arma anti-morte.
“Cansados das notícias incessantes sobre acidentes, assassinatos e violência, tanto por bandidos quanto pela corrupção policial – onde aqueles que deveriam defender a lei praticavam justiça privada – as pessoas resolveram criar uma arma diferente: a arma anti-morte.
Qual seria o segredo de tal arma?
Todas as pessoas teriam o sagrado direito de possuir essas armas em suas casas, sem restrições. Poderiam montar verdadeiros arsenais, pois essas armas não matariam sob nenhuma hipótese.
As escolas de tiro ao alvo estavam liberadas para crianças, que aprenderam a defender a vida, espalhando mais vida, sem ameaçar a vida de instrutores e seus familiares.
Com o tempo, as pessoas aprenderam a respirar, a esperar o ódio passar – pois manusear a arma anti-morte exigia paciência e tolerância, características que no universo paralelo já não eram tão comuns.
Os tolos arrogantes passaram a não se sentir tão poderosos, pois não podiam matar com tais armas, e as guerras já não ceifavam tantas vidas.
As mães, pais, mulheres, namorados, namoradas e filhos podiam sentir a certeza de que, mesmo com a terrível distância, o amor sempre estaria de volta – cheio de vida.
Os covardes torturadores agora precisavam usar seus preguiçosos cérebros e, pela primeira vez, aprender a dialogar – pois não podiam ameaçar a vida daqueles que tinham o direito legal de discordar de seus métodos…
E então…
O Presidente do país pôde desfilar em carro aberto, sem seguranças correndo ao redor, sem medo de opositores ou de um Lee Harvey Oswald qualquer…
Um cantor pôde voltar das gravações de seus sucessos, abraçar sua amada e autografar o seu último disco para o fã…
Pacifistas puderam abraçar aqueles que lhes prestavam reverência…
Monges budistas não atearam fogo em si mesmos…
Meninas não correram chorando enquanto bombas caíam na aldeia…
Atrizes puderam voltar para casa e abraçar aqueles que amavam…
Meninas foram abraçadas por seus pais, não arremessadas pela janela…
Pais puderam dormir em paz, pois nem filhos, nem cúmplices, fariam qualquer mal…
Meninos não foram torturados e mortos por suas mães (?) e padrastos…
Pessoas aprenderam a conversar…
Em um pequeno bar, onde se praticava sinuca, seis adultos e uma menina de 12 anos voltaram em paz para suas casas e continuaram suas vidas…
E as bombas que caíam produziam flores, as cidades não eram mais destruídas.
Tudo isso porque a arma não matava.
E as pessoas tiveram um tempo a mais para pensar na paz.
Brincavas de escrever, desenhar, até de estudar… (Mas estudar é coisa séria, menina!)
E já rias… da minha cara de tédio, das chatices das aulas de EMC, matemática, filosofia… Meu Deus, quanta agonia!
Mas rias…
E quando estavas calada, brincavas de sonhar. (Sonhar é bom, é bom sonhar, não posso te culpar.)
E eu me escondia nas folhas do caderno, entre desenhos de montanhas, casas, borboletas, flores… Me escondia em páginas de velhos livros, das goteiras na sala, nas chuvas de inverno. Me escondia nas linhas, não é exagero. (Mas rimar com livros ainda é terrível!)
Éramos jovens, bem jovens… E tanto tempo passou. (Mas teus risos não passam com o tempo, são jovens, são eternos… como um sorriso do tempo!)
E versos simples eu fiz. Mas, para quê tantos versos? Para quê tantos versos tão simples? – você diz.
Sim… Menininha, o motivo é tão simples quanto os versos…
“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto, Que, para ouvi-las, muita vez desperto E abro as janelas, pálido de espanto…
E conversamos toda a noite, enquanto A via-láctea, como um pálio aberto, Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto, Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: “Tresloucado amigo! Que conversas com elas? Que sentido Tem o que dizem, quando estão contigo?”
E eu vos direi: “Amai para entendê-las! Pois só quem ama pode ter ouvido Capaz de ouvir e de entender estrelas.”
(Poesias, Via-Láctea, 1888.)
Olavo Bilac
Comentando a poesia
Esse é um dos sonetos mais belos e conhecidos de Olavo Bilac, extraído do livro Via Láctea (1888).
Este soneto carrega a essência do Parnasianismo na forma impecável e no rigor métrico, mas também transborda lirismo e subjetividade, flertando com o Simbolismo.
Aqui, Bilac constrói uma metáfora poderosa sobre a sensibilidade e a capacidade de perceber a beleza e o mistério do universo.
O eu lírico enfrenta a incredulidade daqueles que não compreendem sua comunhão com as estrelas, representando a oposição entre razão e emoção, lógica e sentimento.
Ao que a resposta final—”Amai para entendê-las!”—é um convite à sensibilidade, sugerindo que só através do amor é possível captar o que é invisível aos olhos e inalcançável pelo intelecto frio.
Sim, essa ideia de que o amor é a chave para compreender o sublime é profundamente tocante.
O poema sugere que há mistérios no mundo—representados pelas estrelas—que a razão sozinha não pode desvendar. Só quem sente profundamente, quem ama, pode realmente “ouvir” e entender essas verdades mais sutis.
Melancolia e Solidão
Além disso, há algo de melancólico e solitário no eu lírico, que passa a noite em vigília, encantado com as estrelas, mas também enfrentando a incompreensão dos outros. Esse contraste entre a frieza da razão e o calor da emoção torna a mensagem ainda mais envolvente.
A superficialidade e a pressa da vida moderna tornam essa contemplação cada vez mais rara.
Parece haver uma desconexão entre o sentir e o viver, como se as pessoas estivessem sempre correndo atrás de algo—sucesso, status, prazer imediato—mas sem realmente se permitirem sentir com profundidade.
O amor, como Bilac sugere, não é apenas um impulso ou um desejo, mas uma forma de percepção. Ele nos dá um olhar mais sensível sobre o mundo, nos permite “ouvir estrelas”, ver a beleza onde outros veem apenas o banal.
Cabe a seguinte reflexão: “Será que ainda há espaço para esse tipo de sensibilidade no mundo de hoje? “
Olavo Bilac (Olavo Braz Martins dos Guimarães Bilac -1865-1918 ), foi um dos maiores poetas do Brasil, principal nome do parnasianismo, e um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, criou a cadeira nº. 15, que tem como patrono Gonçalves Dias. – Olavo Bilac | Academia Brasileira de Letras
Sua atuação não se restringiu à literatura, destacando-se também pelo forte engajamento cívico e político. Defensor do serviço militar obrigatório, escreveu a letra do Hino à Bandeira e fez oposição ferrenha ao governo de Floriano Peixoto, chegando a ser preso em 1891.
Desde jovem, Bilac mostrou talento para as letras. Ingressou na faculdade de Medicina por influência do pai, mas abandonou o curso para se dedicar ao jornalismo e à literatura. Trabalhou em diversos periódicos e publicou seu primeiro soneto, Sesta de Nero, em 1884, recebendo elogios de Artur Azevedo.
Wikipedia
Em 1907, foi eleito “Príncipe dos Poetas Brasileiros” pela revista Fon-Fon.
Frequentador de rodas literárias e boêmias no Rio de Janeiro, Bilac teve uma vida social intensa. Ocupou cargos públicos e dedicou-se à produção de poemas, crônicas, livros escolares e até textos publicitários.
Curiosidade: Em 1897, sofreu o primeiro acidente automobilístico registrado no Brasil.
Bilac viveu sozinho, após dois noivados desfeitos, e faleceu em 1918, vítima de edema pulmonar e insuficiência cardíaca. Sua influência no cenário literário e cívico é eterna, imortalizando-o como um dos grandes nomes da poesia brasileira.
Explicando o Parnasianismo
O parnasianismo foi uma escola literária surgida na França, no século XIX, como uma reação ao sentimentalismo e subjetividade do romantismo. Caracterizou-se pelo rigor formal, objetividade e busca da perfeição estética na poesia.
Os parnasianos valorizavam a métrica rígida, as rimas ricas e a linguagem refinada, muitas vezes explorando temas clássicos e mitológicos.
A poesia parnasiana enfatizava a arte pela arte, ou seja, o compromisso maior era com a estética, e não com emoções ou engajamentos sociais.