Enquanto a Música Tocava ( O Fim do Baile)

O amor nos antigos bailes

Enquanto a música tocava

Dentre as poucas coisas que consigo me lembrar, estão ainda os cabelos negros, dançando ao som da música, e eu torcia para que a música jamais acabasse.

Era como se o sonho fosse real e estivesse lá, ao alcance das mãos.

Queria chamá-la para dançar, mas… era eu quem estava cantando e tocando, enquanto ela, sozinha, acompanhava a melodia com os mais belos gestos.

O mundo não existia ao redor; esquecia-se a praça, a estrela, o céu. Havia apenas o encanto — a música nunca fora tão bela.

Os lábios sorriam como se a eternidade tivesse sido alcançada, e, por um momento, também acreditava que algo deveria ser eterno; por isso, seguia os passos dela.

Cada passo, cada movimento das mãos, como se eu também estivesse naquele mesmo lugar, fora do palco.

E, enquanto a música andava, tive o tempo inteiro em minhas mãos; pude brincar, contar histórias e acreditar que ele estaria sempre naquele lugar, aconchegado e também feliz, pois nem sempre coisas assim acontecem no tempo.

A dança no meio do baile

Tive o tempo em minhas mãos

Era uma vez…

E o tempo parecia dormir tranquilamente enquanto planejava o fim do show…

Parada, em frente ao palco, aqueles olhinhos verdes passaram a esperar, agora, o fim da música, que insistia em não findar.

E, ao fim daquele show, o tempo acordou.

Subitamente, na pressa de recuperar o tempo perdido, levou tudo o que havia pela frente: o amor, o encanto, a música, a inspiração.

Restou apenas um cantor, sem música.

Um poeta, sem inspiração, sem histórias para contar.

Uma memória vaga, que machuca ao ver, na distância, o tempo carregando, nas mesmas mãos, aquela que dava sentido à festa…

Que balançava os cabelos negros — lindos cabelos negros — ao som da música…

E ali, sem ela, a música e a dança perdiam a razão…

Era o fim do baile.

Leia também O baile (Um último encontro) ‣ Jeito de ver

VocÊ vai achar interessante o link a seguir:

Como era a dança nos anos 50?

Imagens geradas por IA.

A Cultura da Tortura: Análise

Cadeira de tortura

Imagem de Hans por Pixabay

A Cultura da Tortura: Da Inquisição às Investigações Policiais

Vamos refletir, neste post, sobre a cultura da tortura — seu surgimento, a figura dos falsos heróis e os paralelos entre práticas inquisitoriais e as caças às bruxas.

Enquanto alguns ainda tentam justificar a tortura como método de interrogatório, outros questionam sua eficácia e legitimidade. Afinal, haveria alguma justificativa real para sua aplicação?

A proposta aqui é simples: compreender, de modo direto, como essa cultura se perpetuou ao longo do tempo — inclusive em regimes como o nazismo — e como tantos torturadores se ampararam na ideia de que apenas “cumpriam ordens”.

Franz Stangl, comandante do campo de extermínio de Treblinka, disse certa vez em uma entrevista:

“Minha consciência está limpa. Eu estava simplesmente cumprindo meu dever…”

A Reação e o Clamor por Justiça

A reação imediata à barbárie é o clamor por justiça. A ausência de punição gera revolta.

É muito comum ouvirmos relatos de pessoas que decidiram “fazer justiça” com as próprias mãos, por meio de linchamentos.

Programas de televisão populares entre 1980 e 2010 exploravam crimes terríveis com sensacionalismo, apresentando histórias de forma a fazer o telespectador sentir a injustiça vigente no país.

Diante deste cenário, as pessoas clamam por mudanças.

Daí surgem falsos heróis, repetindo padrões históricos de séculos e séculos.

Na ânsia de “solucionar rapidamente” um crime e satisfazer o desejo de sangue da população, métodos cruéis foram aplicados em muitos inocentes.

Falsos Heróis

Por exemplo, moradores antigos da cidade de Iaçu, interior da Bahia, contam que um homem foi acusado de abusar sexualmente de uma jovem.

A multidão exigia justiça, mas o homem negava o crime.

Na ânsia de conseguir uma confissão, um sargento (ou cabo) da época aplicou as mais variadas torturas, desde espancamento à queima dos órgãos sexuais do acusado.

Para se livrar da tortura, o jovem admitiu a culpa, embora depois de castigado e solto voltasse a afirmar a sua inocência.

Infelizmente, as fontes não me deram mais detalhes quanto ao torturador, o torturado e o final da história.

Percebi que, embora tal ato tivesse acontecido há mais de 30 anos, os moradores ainda temiam represálias.

Realmente, é um caso chocante.

Mas, como disse, isso repete um padrão.

A História da Tortura e Suas Origens

A tortura, como método de obtenção de confissões e informações, remonta a períodos históricos em que instituições religiosas e civis recorriam a práticas extremas para manter a ordem e a fé.

Durante a Idade Média, a Inquisição se destacou como uma das principais instituições que normalizou a tortura em nome da busca pela verdade.

O desejo de erradicar heresias e bruxarias levou os inquisidores a empregarem métodos brutais para obter confissões, frequentemente utilizando torturas físicas e psicológicas.

Essa era viu a ascensão de técnicas cruelmente inventivas, que, em muitos casos, visavam não apenas à obtenção de informações, mas também à punição pública das vítimas.

O conceito de que a dor poderia forçar um indivíduo a revelar a verdade se tornou uma crença arraigada na sociedade da época.

Assim, a tortura não foi vista apenas como um meio, mas como um instrumento legítimo de justiça.

As práticas de tortura variavam de acordo com a região e a cultura, mas a intenção era global: garantir que as acusações fossem confirmadas, independentemente da autenticidade.

Instituições como a Igreja Católica e, posteriormente, alguns órgãos do Estado, utilizaram a tortura como forma de controle social, perpetuando um ciclo de medo e repressão.

A Caça às Bruxas

Um exemplo que ilustra bem esse fato é o julgamento das “bruxas” na Idade Média.

Quando o país passava por privações em longos períodos de estiagem, os moradores buscavam um culpado. Sim, culpado pelas estiagens!

Com isso, clérigos religiosos (que tinham muito poder) decidiam a quem culpar. E, neste caso, “a culpa era das bruxas”.

Mas quem eram as bruxas? Quando a medicina avançada da época era privilégio dos ricos (bem, não mudou muita coisa — medicina privada…), mulheres com experiência em realizar partos, fabricar remédios e cuidar da saúde da população eram consideradas bruxas.

Mulheres que cultuavam a natureza também eram denominadas bruxas.

Os clérigos, no uso do poder investido a eles, utilizavam os mais cruéis métodos de tortura, que iam de espancamentos a desmembramentos, decapitações, afogamentos e outras práticas bárbaras, para que elas admitissem culpa nos eventos e “entregassem” outras bruxas.

Muitas aceitavam a culpa apenas para se livrar das torturas.

Milhares de mulheres inocentes foram torturadas e assassinadas.

Além das necessidades religiosas, o uso da tortura se expandiu para o contexto civil, especialmente durante períodos de agitação política e revoltas populares.

Paralelos

Os mesmos clérigos que caluniavam e torturavam inocentes para alcançar a fama e riquezas se reuniam em suas igrejas para pregar o perdão de Deus. — O cúmulo da hipocrisia!

Investigadores policiais começaram a adotar esses métodos em suas práticas, relacionando a tortura à eficácia na resolução de crimes.

Nas várias transições sociais e políticas nos séculos seguintes, a prática se consolidou como parte das estruturas de poder, refletindo as ansiedades e as tensões da sociedade.

Com o passar do tempo, as críticas a essas práticas começaram a surgir, mas a história da tortura é um testemunho da sua profunda enraização nas instituições humanas.

Na Inquisição espanhola os torturadores castigavam as suas vítimas com o uso do berço de Judas, um aparelho usado para empalar lentamente as vítimas.

Durante este período quase 300 mil pessoas foram condenadas e 30 mil foram executadas.

A Tortura Durante o Período Militar

Durante os regimes militares na América Latina, a tortura foi utilizada como uma ferramenta sistemática de controle e repressão.

Governos autoritários, em um esforço para suprimir a dissidência, implementaram um vasto aparato de violência que incluía a prática da tortura em diversas formas.

As táticas empregadas eram não apenas brutais, mas frequentemente justificadas sob o pretexto de segurança nacional.

É essencial compreender os métodos utilizados, que variavam desde agressões físicas diretas, como espancamentos e eletrochoques, até formas mais psicológicas, como o isolamento extremo e a humilhação.

Essa combinação de táticas visava não apenas extrair informações, mas também desmantelar a resistência e fomentar um ambiente de medo.

O Caso dos Irmãos Naves

Poderíamos inserir neste contexto um típico caso de tortura policial, em Minas Gerais, durante a Ditadura Vargas.

O pouco conhecido caso dos irmãos Naves.

Um comerciante quase falido, de nome Benedito, desapareceu com um cheque de muito valor e foi dado como morto. Os primeiros a levarem o fato ao conhecimento da polícia foram os irmãos Naves.

As investigações não progrediam, e, para lidar com o caso e o clamor público, foi designado o infame Tenente Vieira, pois a população cobrava uma resposta.

O primeiro ato do “herói” foi acusar os irmãos de assassinato e submetê-los às mais terríveis e imagináveis torturas, que iam de espancamentos até o estupro da mãe dos acusados na presença deles.

Crimes policiais

Os crimes da polícia iam se acumulando, inclusive com a morte de um bebê de dez meses da família, que estava preso com a mãe, com o objetivo de conseguir confissões.

Com o extremo stress da prisão e das ameaças a mãe não conseguia lactar. A criança morreu por inanição

Os irmãos suportaram todas as torturas possíveis, assegurando a inocência, e mesmo assim foram condenados a muitos anos de prisão.

Uma nota importante é que foram julgados duas vezes e, devido à falta de provas e aos métodos criminosos do Tenente Vieira, foram inocentados.

Mas, devido à ditadura, ao privilégio policial e aos contatos, os homens foram condenados mesmo assim.

Benedito estava vivo!

Por bom comportamento, foram soltos depois de um bom período, para, logo depois, todos descobrirem que Benedito estava vivo — e muito bem vivo!

A multidão, então, queria linchar Benedito.

Por segurança, a polícia o manteve preso, mas mesmo assim jamais admitira o tratamento criminoso.

Devido às sequelas e traumas psicológicos, um dos irmãos morreu aos 36 anos.

Resumo: apesar de toda a injustiça e barbárie, a indenização que o Estado de Minas pagou, segundo relatos, não era suficiente nem mesmo para comprar uma casa.

Imagine compensar toda a desgraça que fizeram.

Alguns torturadores passam por crises de consciência.

Conflitos Mentais

Em muitos torturadores, o envolvimento em tais práticas pode gerar um profundo conflito interno, resultando em problemas de saúde mental e em uma dessensibilização à violência.

Por outro lado, aqueles que foram submetidos à tortura frequentemente enfrentavam traumas duradouros que continuavam a influenciar suas vidas mesmo após a libertação.

O trauma envolvido não se limitou às vítimas diretas; familiares e comunidades também sofreram como consequência do clima de repressão e medo.

A cultura da tortura, portanto, alimentou um ciclo vicioso de controle social, onde a ideia de que a força era necessária para manter a ordem se disseminou amplamente.

Essa mentalidade foi sustentada por uma retórica que apresentava as práticas de tortura como indispensáveis para o combate ao terrorismo e à subversão, levando assim a uma banalização da violência.

O legado desta era de tortura ainda ressoa nas sociedades contemporâneas, levantando questões sobre direitos humanos e a legitimidade das ações estatais.

As reflexões sobre este período são cruciais para entender como a tortura pode ser institucionalizada e os efeitos devastadores que isso tem sobre a sociedade como um todo.

A Ineficácia da Tortura como Método de Investigação

Relatos têm demonstrado consistentemente a ineficácia desse método na obtenção de informações verídicas.

Muitas vezes, o que se observa é que indivíduos submetidos à tortura acabam confessando crimes que não cometeram, apenas na esperança de escapar da dor e do sofrimento infligidos a eles.

Essa dinâmica revela uma falha intrínseca da tortura como ferramenta de investigação.

Pesquisas realizadas por psicólogos e especialistas em justiça criminal mostram que indivíduos sob intensa pressão psicológica e física podem não apenas fornecer informações falsas, mas também incriminar outros, levando a condenações erradas.

Alguns estudos destacam que a coação extrema não garante a veracidade do que é dito, mas, em contrapartida, gera um ambiente onde as vítimas sentem que a única alternativa é a submissão, ainda que isso implique em confessar falsamente.

Busca por um culpado Versus Busca pela verdade

Além disso, a busca por um culpado muitas vezes prevalece sobre a busca pela verdade nas investigações policiais.

Essa mentalidade pode levar autoridades a priorizar resultados rápidos em detrimento de métodos investigativos mais rigorosos e éticos.

O uso da tortura se transforma, então, em uma solução aparente, mas inadequada, em situações onde o devido processo e a investigação detalhada deveriam ser a norma.

Este foco no resultado emocional, em vez de na reputação da verdade, compromete a integridade do sistema de justiça, afastando-o de suas funções essenciais.

Portanto, a tortura não apenas falha como método de busca pela verdade, mas também perpetua injustiças, atormentando os inocentes e distorcendo a percepção da realidade no que tange ao crime e à punição.

Reflexões sobre a Cultura da Confissão e Suas Implicações

A cultura da tortura continua a gerar repercussões significativas na sociedade contemporânea.

Desde as práticas da Inquisição até os métodos utilizados em investigações policiais modernas, a ideia de que “o fim justifica os meios” permeia o imaginário coletivo, influenciando a forma como a justiça é administrada e percebida.

“É um fato: os criminosos continuam a torturar. O mais chocante é ver os métodos repetidos por aqueles que deveriam proteger — o que se esperar?”
— R. Ramos, Poeta e Professor

Este conceito, que subverte os princípios éticos fundamentais, reflete uma busca incessante por resultados, muitas vezes à custa da dignidade humana e dos direitos individuais.

As implicações dessa cultura são vastas e complexas.

A busca pela confissão, seja em um contexto religioso ou jurídico, frequentemente resulta na normalização da violência como método de obtenção de provas.

Essa prática não apenas perpetua o sofrimento infligido às vítimas, mas também enfraquece a credibilidade do sistema de justiça.

A Busca de um Culpado e a Sociedade

Quando as confissões são obtidas por coerção, o espaço para a verdade genuína e a responsabilização justa é comprometido.

A incerteza acerca da veracidade das informações obtidas através de tortura gera um ciclo vicioso de impunidade e desconfiança nas instituições.

Além disso, a persistência dessa mentalidade no presente revela uma necessidade urgente de reavaliação das técnicas de investigação.

As sociedades devem se comprometer a erradicar essas práticas desumanas, enfatizando métodos que respeitem os direitos e a dignidade do indivíduo.

A promoção de abordagens mais humanas e eficazes, que priorizem a empatia e a verdade, é crucial para a reconstrução da confiança nas instituições.

A narrativa da tortura deve ser substituída por uma cultura de justiça que valorize a vida e a verdade, garantindo que o sofrimento humano nunca mais seja visto como um preço aceitável para a obtenção de resultados.

A Psicologia do Torturador

Estudos revelam que torturadores frequentemente desenvolvem uma “dupla consciência”:

-As atrocidades são justificadas como dever funcional enquanto sucumbem ao alcoolismo e à depressão.

O Tenente Vieira operava num sistema que premiava a eficiência violenta, onde promoções dependiam de resultados — tal como inquisidores ascendiam na hierarquia eclesiástica conforme o número de hereges condenados.

O fantasma de Vieira ainda assombra quando se analisam operações policiais recentes, como na Baixada Fluminense em 2024: 80% das vítimas eram negras.

O mesmo padrão se repete na Bahia e em São Paulo, onde a maioria das vítimas da violência policial são pobres e pretas.

A auto-absolvição e autopurificação

Em muitos casos, a religião tem sido usada como forma de autoabsolvição ritualística — não como expressão de arrependimento genuíno.

Seguindo essa linha, é comum que policiais envolvidos em torturas ou atos de violência se convertam ao evangelho em busca de autopurificação.

Nessas situações, o acolhimento de algumas igrejas pode funcionar, simbolicamente, como uma “lavanderia da alma”.

É claro que isso não significa que todos os torturadores que aderiram à fé o fizeram por razões egoístas ou continuaram a se destacar nos púlpitos.

Muitos o fazem por fé sincera e pela esperança de recomeçar.

Tome-se como exemplo o caso de Cláudio Guerra, ex-delegado do DOPS, que se converteu, escreveu um livro confessando crimes e participou do documentário Pastor Cláudio:

A igreja serviu, neste caso, de manto para o torturador.

Guerra teve uma morte tranquila — privilégio raramente concedido a pobres no Brasil — sem jamais ter revelado remorso pelas pelas vidas que incinerou.

Conclusão

Os fins justificam os meios…?

Segundo o Pastor Cláudio, o torturador, com a anistia muitos militares antes torturadores passaram a “prestar segurança” a bicheiros.

Bem, se apenas um inocente fosse torturado e morto, já haveria um bom motivo para questionamento, mas o fato é que milhões de pessoas inocentes foram torturadas e mortas, nas mãos de sádicos disfarçados de heróis.

Os pensamentos mudariam se nossos filhos inocentes  fossem vítimas de tais atrocidades, não é verdade?

Tentar justificar a tortura é dar suporte ao argumento dos nazistas, que replicaram e criaram novos meios de torturas, inimagináveis mesmo aos inquisidores.

O Projeto Armazém da Memória indica que 68% dos torturadores da ditadura brasileira identificados nunca foram processados, e alguns ocupam cargos eclesiásticos.

“Minha consciência está limpa. Eu estava simplesmente cumprindo meu dever…”

Franz Stangl, nazista, responsável pela morte de 1 milhão de pessoas.

Leia também: Contos de fadas – Um novo jeito de ver! ‣ Jeito de ver

Consulte o excelente site:

 Armazém Memória – Armazém Memória

Como Ler um Poema? ( Como a vida deve ser)

Sem complicações…

Assim como a vida, os poemas não precisam ser complicados.

Um mundo de palavras, histórias e sentimentos cabe nas poucas palavras de um pequeno poema…

e cada um conta a sua história.

Se você sofreu, amou, perdeu, superou — tudo pode estar lá, nas pequenas palavras.

Mas… como ler um poema?

Esqueça a pressa, a vontade de chegar.

Permita-se navegar nas palavras, mergulhar nos sonhos, imaginar histórias.

Ou, quem sabe… lembrar das suas próprias histórias.

Permita-se refletir…

“Refletir” tem sua origem no latim reflectere, que significa “dobrar para trás”, “fazer voltar” e, depois, também ganhou o sentido figurado de “voltar a atenção para si mesmo” — daí o significado moderno: “pensar profundamente”, “ponderar”.

Em português, o verbo “refletir” manteve tanto o sentido físico — como na luz que se reflete num espelho — quanto o sentido figurado — como na ideia de “meditar” ou “considerar” cuidadosamente.

Então, deixando que as palavras reflitam em nós, o poema ganhará um novo sentido.

Agora… que tal lermos um poema simples e lindo?

Você vai amar.


“Amor, então
também, acaba?
Não, que eu saiba.
O que eu sei
é que se transforma
numa matéria-prima
que a vida se encarrega
de transformar em raiva.
Ou em rima.”

— Paulo Leminski


Revisão gramatical e ortográfica por IA.

Leia também O tempo ( Como se mede o tempo?) ‣ Jeito de ver

Discurso de Ódio nas Redes Sociais

Uma análise crítica sobre como as redes sociais têm contribuído para o empobrecimento do debate público — e o que podemos fazer para resgatar o diálogo, a empatia e o pensamento crítico em tempos de algoritmos e radicalismos.

Quantas vezes você já curtiu ou compartilhou algo sem verificar a veracidade da informação?

Por que nas redes sociais o ódio viraliza mais que a empatia?

Analisaremos estas perguntas no texto a seguir.

O empobrecimento do debate

Um breve exame de postagens nas redes sociais revela o empobrecimento do debate público, marcado pela proliferação de páginas especializadas em ataques pessoais e disseminação de fake news.

Com o avanço da chamada “cultura da lacração”, cresce o número de pessoas manipuladas como massas de manobra na propagação do ódio.

Um artifício comum desses grupos é atacar pessoas sob a bandeira da defesa de princípios morais, tratando a calúnia como virtude. Diante de questionamentos sérios e da ausência de argumentos, recorrem a memes.

Mas por que isso acontece?

O jogo manipulado das redes

Muitos desses comportamentos se explicam pelo domínio das redes sociais sobre o comportamento humano.

Algumas estratégias são amplamente conhecidas por quem manipula o debate:

1. Emoções negativas geram mais reações

O cérebro humano reage mais intensamente a conteúdos negativos.

Isso se chama negativity bias, uma predisposição natural a prestar mais atenção ao que ameaça ou incomoda.

2. Algoritmos priorizam engajamento, não qualidade

Plataformas como Facebook e Instagram promovem o que gera reação — seja like, raiva ou indignação.

Conteúdos polêmicos tendem a receber mais interações, aumentando sua visibilidade.

3. Ataques pessoais ampliam o alcance

Postagens que criticam pessoas ou grupos geram identificação ou rejeição imediata. Quem concorda compartilha, quem discorda rebate — ambos alimentam o engajamento.

4. As redes favorecem os extremos

As bolhas digitais reforçam discursos radicais como afirmações de identidade de grupo. Isso cria um ciclo de repetição que torna opiniões extremas cada vez mais visíveis.

5. Conteúdos construtivos crescem lentamente

Páginas que promovem arte, cultura, reflexão e conhecimento tocam menos nas “emoções quentes” e mais no pensamento crítico.

Por isso, seu crescimento é mais demorado.

Vamos desenvolver melhor essa questão.


A ascensão do discurso de ódio nas redes sociais: um estudo crítico

A dinâmica do engajamento

O funcionamento das redes sociais é baseado na amplificação de conteúdos que provocam reações emocionais intensas.

O debate nas redes.

Quanto mais visceral a reação, mais tempo o usuário permanece na plataforma.

Nesse ambiente, o discurso de ódio alcança mais visibilidade que o diálogo construtivo, criando um ciclo vicioso: o engajamento impulsiona o conteúdo ofensivo, tornando-o ainda mais presente.

Publicações que atacam pessoas ou grupos geram mais interações do que elogios ou debates ponderados.

Com isso, as redes priorizam quantidade de reações em vez de qualidade das discussões.

Um espaço que prioriza o conflito

As plataformas acabam moldando o comportamento dos usuários para favorecer conteúdos que causam choque, indignação e divisão.

É um ambiente onde a razão cede espaço à emoção — e, frequentemente, à violência simbólica.


Por que as pessoas entram nessa?

Teorias como a da frustração-agressão explicam parte desse fenômeno: em tempos de crise, a raiva e o medo se intensificam, levando as pessoas a buscar narrativas que validem seus sentimentos.

Grupos que disseminam discursos polarizadores criam um senso de pertencimento emocional, mesmo que prejudicial.

A Teoria da Identidade Social também ajuda a compreender esse cenário:

os indivíduos tendem a se identificar com grupos que compartilham suas crenças, e a desumanizar os que pensam diferente, aceitando com mais facilidade ataques e discursos de ódio.

Desconexão e isolamento

O espaço virtual, em vez de aproximar, muitas vezes isola.

Construímos identidades digitais que priorizam o individualismo, o medo e a raiva — o que prejudica o diálogo e a empatia, minando relações sociais e criando ciclos de violência emocional.


Reflexão

O aumento da hostilidade nas redes levanta questões profundas sobre a natureza do debate e a ética das interações online.

Plataformas que poderiam ser espaços de troca de ideias tornam-se arenas de ataques.

A argumentação racional é silenciada por gritos virtuais, e a diferença de opinião vira motivo de ofensa.

A filosofia nos lembra que ações têm consequências. Ignorar o discurso de ódio contribui para sua normalização e para a erosão do respeito mútuo.

O que é, afinal, um debate inteligente?

Debater com inteligência é mais do que respeitar opiniões: é buscar a verdade com justiça e empatia. Isso exige disposição para ouvir, reconhecer falhas e manter a civilidade como base do diálogo.

A trivialização dos temas importantes é um efeito direto do barulho extremista.

Perdemos a capacidade de discernir o que merece nossa atenção. Em vez de pontes, erguemos muros.


Caminhos para enriquecer o debate inteligente

É urgente enfrentar o discurso de ódio com ações conscientes, educativas e colaborativas. O desafio é de todos: indivíduos, coletivos e plataformas.

Empatia como ponto de partida

Compreender o outro mesmo na divergência é o primeiro passo. Campanhas que estimulem a empatia nas redes podem fazer a diferença.

A importância da escuta ativa

Ouvir com atenção, sem interromper ou desqualificar, é essencial. Workshops e projetos educativos devem reforçar essa prática, promovendo o diálogo respeitoso.

Crítica construtiva e pensamento crítico

Criticar com respeito e argumentação sólida é uma alternativa ao ataque.

Ensinar jovens a lidar com a informação, reconhecer a desinformação e valorizar a diversidade de pensamento é papel urgente da educação.

Programas escolares que tratem da cidadania digital ajudam a formar uma geração mais preparada para construir espaços de debate mais justos e saudáveis.


Curiosidades

  • Você sabia que muitos perfis que promovem ataques e fake news são falsos?

  • Que as fake news são desenhadas para ativar o senso de justiça das pessoas, o que as faz compartilhar impulsivamente?

  • Que cada curtida, comentário ou compartilhamento em resposta a uma calúnia ajuda a aumentar o alcance dessa mentira?

  • Que é possível denunciar postagens diretamente na plataforma e buscar reparação judicial se nenhuma medida for tomada?

  • E que muitos partidos políticos relutam em criminalizar as fake news porque dependem delas para manter relevância?


Enquanto a educação digital não alcança a maioria — e isso pode levar tempo —, a regulação das redes se torna urgente e inadiável.

Leia também: “Notícias na Era Digital (Viés e informação) ‣ Jeito de ver

Você já foi vítima de discurso de ódio nas redes?

Compartilha ou responde as provocações nas redes sociais?

Comente aqui, no Jeito de Ver.

Um poema para Brenda (Com H de “hoje”)

Imagem de beasternchen por Pixabay

Brenda

Por que a luz se esconde à noite
E as palavras somem no silêncio?
Por que o riso se recolhe
no momento mais necessário?
Ah! Brenda
Se eu pudesse te explicar a vida
De modo simples,
Te diria que o céu é azul
Pra acalentar teus sonhos
E que a lua prata
Brilha para te mostrar o caminho…
E no final do caminho
Depois de cantarem os grilos
E as estrelas se esconderem
Há uma nova estrada…
Talvez, não tão diferente…
Pois diferentes são os olhares
Os passos e as esperas
A beleza estará sempre no olhar
As histórias,
nos passos…
E é na espera que se cresce e vive
o amor.
Te diria que a escuridão da noite
É prenúncio de um dia de luz
E que as palavras se calam…
Para que o silêncio

fale o que em palavras não se pode dizer…
Por isso, Menina
Olha o céu azul…
E se um dia estiver cinza…
Permita que o teu sorriso
O ilumine…
E lumine…
Brenda.

Leia também Quando o Amor Começa o Dia ‣ Jeito de ver

Do autor:

Um poema para Brenda (Com H de ‘hoje’)” é uma delicada reflexão poética sobre o crescer, o tempo e os sentimentos que se escondem nos silêncios da vida.

Com imagens que evocam a noite, o céu, a lua e o riso que às vezes se perde, o texto convida à escuta interior e ao acolhimento das dúvidas que surgem no caminho.

É um gesto de amor que procura suavizar as incertezas, lembrando que até os dias cinzentos podem ser iluminados por um sorriso.

Mais que um poema dedicado, é um lembrete de que a beleza está no olhar — e que, mesmo quando tudo parece calar, o amor continua a falar suavemente.

Vestido de Roupa Nova – Uma vida inteira!

O grupo Roupa nova acompanha gerações com belas canções

Roupa Nova

Roupa Nova: Trilha Sonora de uma Vida

“Todos os dias, todas manhã
Sorriso aberto e Roupa Nova…”

— Roupa Nova, Milton Nascimento

Falar sobre o grupo Roupa Nova é como abrir o velho baú das memórias. Não é apenas música — é infância, juventude e afeto embalados em canções.

Talvez eu não seja a melhor pessoa do mundo para contar a biografia do Roupa Nova, pois falar do grupo Roupa Nova é estranho — é como revisitar a minha infância.

Relembrar as dificuldades para ir à escola no início dos anos 1980, quando, infelizmente, muitas instituições de ensino estavam em estado de abandono, reflexo da negligência de um governo autoritário que não valorizava a educação.

A situação era tão crítica que a escola Arquiteto Raul Cajado teve, intencionalmente, uma de suas letras trocadas para formar um trocadilho digno de processos…

Na cidadezinha em que eu morava, todos os prédios escolares estavam arruinados naquele início de década.

Nesse ambiente de descaso, as harmonias perfeitas e as músicas animadas do Roupa Nova acompanhavam meus passos rumo aos prédios que pareciam cenário de filme de guerra.

Em casa, a velha televisão valvulada da marca Colorado — preto e branco — ocupava a sala de estar.

Nos fins de semana, programas musicais e os rádios traziam as novidades.

As canções do grupo davam mais leveza aos novos dias.

Os Famks, os Motokas…

Mas a história deles era bem mais antiga do que eu imaginava.

Tudo tinha começado lá atrás, nos anos 1960, quando ainda não existia o Roupa Nova.

Em 1967, nascia o grupo Os Famks, no Rio de Janeiro.

Animavam festas e bailes, mas ainda não contavam com os integrantes que viriam pra encantar.

Foi só nos anos 1970 que os caminhos desses seis músicos se cruzaram de vez: Paulinho, Serginho Herval, Nando, Kiko, Cleberson Horsth e Ricardo Feghali.

Ainda como Os Famks, lançaram dois discos e, por um tempo, usaram o nome Os Motokas para gravar versões de sucessos internacionais.

Mas a virada veio no final da década.

Surge então o Roupa Nova.

A banda assinou com a gravadora Polygram e decidiu investir num som próprio.

Roupa Nova

O nome Roupa Nova foi inspirado em uma canção de Milton Nascimento e Fernando Brant, que gravaram em 1980.

O rádio tocava Sapato Velho

Minha cabeça de menino não compreendia bem o significado, mas meu coração sentia algo diferente.

O nome Roupa Nova foi inspirado em uma canção de Milton Nascimento e Fernando Brant

Roupa Nova

A música me inspirava a viver grandes coisas, mesmo sem entender direito.

Com o tempo, percebi: ela falava da passagem dos anos, das experiências e de um amor que não envelhece.

Ainda hoje, com cinquenta e poucos, ouço e me emociono.

A Canção de Verão era febre nas rádios.

Tentava seguir o contrabaixo do Nando — meu baixista favorito, mas neste grupo todos eram favoritos!

Na minha meninice, sonhava em assistir a um show daqueles que me acompanhavam nas manhãs escolares.

Aquela trilha sonora deixava tudo mais bonito.

A década de 1980 foi um estouro.

Era difícil escolher uma melhor música: Clarear, Lumiar, Vira de Lado, Voo Livre, Bem Simples, Anjo, Boa Viagem, Fora do Ar, Sensual, Chuva de Prata, Tímida e Não Dá. Whisky a Go Go virou clássico, tema de abertura da novela Um Sonho a Mais, junto com Chuva de Prata, num dueto com Gal Costa.

Lembro que, em todo baile que eu ia, havia uma regra: a banda tinha que tocar Whisky a Go Go.

Anos depois, senti a emoção do público ao tocá-la nas festas em que pude me apresentar.

Mas pra mim, tudo era Lumiar e Voo Livre.

Com o início da adolescência, as harmonias me arrepiavam a espinha.

Meus amigos curtiam as mais agitadas, mas eu… era das baladas românticas.

Em 1985, mais sucessos…

A banda lançou o disco mais vendido da carreira: mais de dois milhões de cópias!

A minha quinta série teve como trilha sonora Dona (tema de Roque Santeiro), Seguindo no Trem Azul, Linda Demais, Sonho, Corações Psicodélicos e Show de Rock’n Roll, que tocavam durante os vinte minutos de intervalo na escola.

As paixões aconteciam, e talvez por isso eu fosse mais chegado às músicas românticas.

Nos anos seguintes, eles continuaram firmes.

Vieram com Um Sonho a Dois (com Joanna), Volta Pra Mim, A Força do Amor, Cristina, De Volta Pro Futuro, Meu Universo É Você e Vício.

Em 1989, ainda com gás, gravaram Eu e Você com José Augusto, tema da novela Tieta, parceria perfeita!

Anos 90 – Adolescência, paixões e músicas

Na década seguinte, os tempos de menino ficaram pra trás.

Gostava de cantar a música Cristina, que foi lançada em 1987… sonhava tocar o projeto de minha banda, mas a vida nem sempre segue o curso desejado.

Aos 22 anos, passei a trabalhar em uma escola — de poucos recursos, mas diferente daquelas do início da década anterior — breve carreira de professor.

Lembro de um aluno de seis anos que me perguntou: “Professor, o senhor gosta do Roupa Nova?”

Mas… a resposta era óbvia demais!

Expliquei ao pequenino que, desde bem menino, colecionava discos e fitas do grupo.

Fui presenteado com a Fita K-7 Frente e Versos.

O álbum trazia sucessos como Coração Pirata, tema de Rainha da Sucata.

Trazia também uma linda versão de Yesterday, dos Beatles, e parcerias ousadas como Esse Tal de Repi Enroll, com o grupo americano The Commodores.

Eu era apaixonado por Cartas.

Em 1991, lançaram o primeiro álbum ao vivo, revisitando clássicos como Lumiar, Anjo, Linda Demais, Volta Pra Mim, Clarear, entre outras. Duas faixas inéditas viraram trilha de novela: Felicidade e Começo, Meio e Fim, que marcaram a novela Felicidade, da Globo.

Aquele ano trouxe também um momento simbólico: a banda subiu ao palco do Rock in Rio!

Releituras

Eles revisitaram seus sucessos e dividiram Todo Azul do Mar com Beto Guedes.

Uma das mais belas canções, numa nova roupagem!

Em 1993, veio De Volta ao Começo, só com releituras de clássicos da MPB.

Tinha Gonzaguinha, Roberto Carlos, Os Mutantes, Milton Nascimento…

Destaques para De Volta ao Começo (tema de Renascer), Ando Meio Desligado (tema de Sonho Meu) e Maria Maria, que só virou trilha de novela anos depois, em 2007 (Caminhos do Coração).

Em 1994, lançaram Vida Vida, com a inesquecível A Viagem, tema da novela de mesmo nome. Ficou meses entre as mais tocadas.

Tinha também Os Corações Não São Iguais (que virou hit com outros artistas), Louca Paixão e Coração Aberto.

Em 1995, lançaram uma coletânea de trilhas de novelas, incluindo Ibiza Dance — tema instrumental de Explode Coração, que até ganhou remix.

Poderia contar ainda mais. Mas seria como tentar resumir o tempo.

Resumo de uma Vida

As canções que me acompanhavam desde a infância receberam novas músicas para a trilha da minha adolescência…

Sim, é verdade, muito mais eu poderia falar sobre discografia, biografias, a sentida perda do Paulinho… muitas coisas, mas, assim como as suas canções, gostaria de deixar algo de bom.

A banda mantém o ritmo com Fábio Nestares, músico experiente e carismático, mantendo aquilo que sempre foi o foco da banda: fazer música de qualidade, boa de ouvir.

Apesar da superficialidade dos streamings, independentemente das constantes mudanças no mercado musical, Roupa Nova sempre está presente. Com músicas de qualidade!

Roupa Nova é isso: trilha da vida de muita gente.

Deu voz às minhas primeiras paixões, me acompanhou nos tempos de escola, virou canção de ninar para minha filha e, hoje, com a minha família, é a trilha sonora dos nossos melhores dias.

Infelizmente, nas mudanças da vida, a minha coleção de vinil ficou no passado, não consegui preservar.

Mas, falar de Roupa Nova é falar de emoção, de vida.

E, pra quem viveu tudo isso — ou está conhecendo agora — é impossível não sentir um aperto no peito e um sorriso no rosto quando toca uma daquelas canções.

Os eternos meninos Paulinho, Serginho Herval, Nando, Kiko, Cleberson Horsth, Ricardo Feghali e Fábio são parte da história.

Roupa Nova é memória viva. É a trilha sonora da minha vida.

Visite: Roupa Nova | Roupa Nova Site Oficial

Leia também: A música atual está tão pior assim? ‣ Jeito de ver

A Síndrome do Vira-Lata: Uma Análise

Introdução

Vivemos em um mundo onde culturas se encontram, se influenciam e, muitas vezes, se confrontam.

No Brasil, esse cenário ganha contornos particulares: por um lado, temos uma rica diversidade cultural; por outro, enfrentamos um sentimento persistente de inferioridade diante do que é estrangeiro.

Este artigo propõe uma reflexão sobre o conceito de superioridade cultural e a chamada “síndrome do vira-lata”, termo consagrado por Nelson Rodrigues.

Ao analisar também a influência do estilo de vida americano e os limites entre apreciação e apropriação cultural, buscamos compreender os mecanismos que moldam a forma como os brasileiros percebem sua própria identidade.

A Superioridade Cultural e a Síndrome do Vira-Lata:

Uma Análise Psicológica

O Conceito de Superioridade Cultural

A ideia de superioridade cultural implica que certos valores e práticas tornam uma cultura intrinsecamente melhor do que outras.

Historicamente, esse pensamento foi reforçado pela colonização, onde culturas dominantes impuseram seus costumes às consideradas “inferiores”.

Essa dinâmica ainda ecoa hoje, influenciando a forma como sociedades se percebem e interagem culturalmente.

A educação tem papel central nesse processo. Quando privilegia uma cultura, seus valores se tornam mais aceitos e difundidos.

A mídia também colabora, promovendo estereótipos que reforçam a noção de que algumas culturas são mais “avançadas” ou “superiores”.

O “exótico” e o “estrangeiro” frequentemente ganham status de superioridade, eclipsando tradições locais.

Esse fenômeno traduz um esforço de afirmação identitária por meio do contraste com o outro.

A comparação cultural tende a gerar divisão, desvalorização interna e conflitos simbólicos.

Compreender a psicologia por trás dessa visão é essencial para desconstruir mitos e promover um olhar mais equitativo.

Cultivar o respeito às diversas expressões culturais é reconhecer a riqueza do patrimônio humano.

A Síndrome do Vira-Lata Segundo Nelson Rodrigues

Nelson Rodrigues cunhou o termo “síndrome do vira-lata” para descrever a inferiorização da identidade cultural brasileira.

A expressão compara o sentimento de menosvalia ao vira-lata, cão sem raça definida, frequentemente ignorado ou desprezado.

Esse fenômeno emerge após anos de influência estrangeira, onde o externo é visto como superior ao que é nacional.

Muitos brasileiros, influenciados por essa lógica, desvalorizam suas raízes e tentam imitar culturas percebidas como mais refinadas.

Na música, na moda e nas artes, a preferência por tendências estrangeiras é um reflexo claro desse comportamento.

Isso também se manifesta na política, quando se subestima a capacidade e os valores nacionais em discursos públicos.

A síndrome do vira-lata enfraquece a autoestima coletiva e fragmenta a identidade cultural do país.

Compreender esse conceito é crucial para resgatar o valor da cultura brasileira e promover autoconfiança cultural.

Rodrigues não só diagnosticou um problema psicológico-social, mas também propôs uma reflexão sobre como nos enxergamos como povo.

Ao reconhecer esse desafio, abre-se caminho para fortalecer a identidade nacional e restaurar o apreço pelas nossas origens.

A Influência da Cultura Americana: O American Way of Life

O American Way of Life representa o estilo de vida idealizado dos Estados Unidos e se espalhou globalmente através do soft power.

Música, cinema, moda e outros elementos da cultura pop são utilizados para moldar preferências e comportamentos mundo afora.

Filmes americanos promovem ideias de liberdade, individualismo e sucesso, influenciando padrões e aspirações em diferentes países.

Essas narrativas são absorvidas como modelos, transformando visões sobre o que é desejável ou moderno.

A música dos EUA, do jazz ao hip-hop, cria conexões afetivas e influencia gostos e identidades locais.

Na moda, marcas americanas ditam tendências globais, levando à adoção de estéticas que refletem o lifestyle estadunidense.

Essa assimilação cultural tende a valorizar o que é externo, relegando o local a um segundo plano.

O resultado é uma mudança nas percepções identitárias, muitas vezes reforçando a síndrome do vira-lata.

Tradições locais são ignoradas ou reinterpretadas sob a ótica do que é considerado moderno ou globalmente aceito.

Essa influência nos convida a refletir sobre os impactos da globalização e sobre como preservar o que nos torna únicos.

Reflexões Finais: Da Apreciação Cultural à Apropriação

A apreciação cultural promove aprendizado, empatia e convivência harmoniosa entre diferentes tradições e modos de vida.

No entanto, existe uma linha tênue entre apreciar e apropriar-se de elementos culturais alheios.

A apropriação ocorre quando práticas culturais são utilizadas fora de contexto, sem respeito ou compreensão adequados.

Isso pode reduzir tradições ricas a modismos superficiais, esvaziando seus significados originais.

Além disso, reproduz desequilíbrios de poder, reforçando estereótipos e marginalizando comunidades que originaram essas práticas.

Como valorizar outras culturas sem apagar as nossas próprias? Essa é a questão central do debate contemporâneo.

É necessário promover o respeito à origem e ao simbolismo de cada expressão cultural com que entramos em contato.

A educação e o diálogo são fundamentais para distinguir apreciação de apropriação.

Trocas culturais devem ser vividas como construção de pontes, não como imposição ou cópia.

Ao respeitar a diversidade, fortalecemos não apenas o outro, mas nossa própria identidade e senso de pertencimento.

“Quando um povo compreende suas origens, fortalece sua autoestima e reconstrói sua identidade com mais confiança.”

Leia também: A Importância do Amor Próprio e da Aceitação ‣ Jeito de ver

A Lei da Selva no Mundo Comercial

A Lei da Selva no Mundo Comercial

Imagem de Mohamed Hassan por Pixabay

A Lei da Selva no Mundo Comercial: Dumping e Deslealdade nas Relações de Mercado

Não existem bondades ou favores no mundo comercial, existe estratégia.
Muitas vezes, quando uma empresa reduz drasticamente seus preços, ou, por exemplo, trabalha com fretes grátis, há um objetivo implícito: eliminar a concorrência.

O nome dessa prática é dumping.
Trata-se de vender um produto no mercado interno ou externo por um preço inferior ao praticado no mercado interno ou abaixo do custo de produção, com o objetivo de conquistar o mercado, eliminar concorrentes ou prejudicar a indústria local.
Uma verdadeira lei da selva, onde os mais fortes economicamente sobrevivem.


O Conceito de Dumping e Suas Características

Existem dois tipos principais de dumping: ocasional e predatório.
O dumping ocasional ocorre quando uma empresa vende um excesso de estoque ou um produto que não é mais desejado a um preço abaixo do custo.

Este visa recuperar parte do investimento e liberar espaço em seus armazéns.

Já o dumping predatório é uma estratégia mais agressiva.
A empresa reduz seus preços de modo a fazer com que concorrentes menos fortes não consigam sobreviver a essa pressão e saiam do mercado.
Consolidada a posição, a empresa aumenta os preços, prejudicando os consumidores a longo prazo.

As implicações legais variam conforme a jurisdição.
Muitos países possuem legislações antidumping para proteger a concorrência justa e prevenir distorções de mercado.
Essas legislações podem incluir tarifas adicionais sobre produtos considerados como dumping, dificultando sua entrada no mercado nacional e protegendo as indústrias locais.

Do ponto de vista ético, o dumping levanta questões sobre a moralidade das ações empresariais e o impacto no ambiente de negócios.
Ao afetar a concorrência saudável, pode gerar um ciclo de preços baixos e queda na qualidade, comprometendo a integridade do mercado.


Deslealdade Comercial: Como o Dumping Afeta o Mercado

O dumping envolve a venda de produtos a preços abaixo do custo de produção ou inferiores aos praticados em mercados domésticos.
É usado para ganhar participação de mercado rapidamente, mas traz sérias consequências para a concorrência e o comércio local.

A deslealdade comercial do dumping prejudica empresas e ameaça a sustentabilidade de pequenos negócios.
Empresas que praticam dumping eliminam concorrentes e concentram o poder nas mãos de grandes corporações, como assim?

Empresas Grandes que conseguem absorver as perdas financeiras associadas à venda a preços desleais.

Com o tempo, isso reduz a diversidade de ofertas e inibe a inovação.
Um exemplo são marcas internacionais de vestuário que, ao entrarem em novos mercados, usam preços predatórios.
Esses preços tentadores, insustentáveis a longo prazo, levam ao fechamento de lojas locais.

Consequências locais

As consequências incluem perda de empregos, queda na arrecadação de impostos e a erosão do tecido econômico local, prejudicando comunidades vulneráveis.
Na prática, algumas super empresas operam com prejuízos durante anos até eliminarem a concorrência.

No comércio online, por exemplo, muitas empresas tradicionais caíram com a chegada da Shopee, parte do Sea Group.
O Sea Group é um conglomerado que atua em diversas áreas: e-commerce (Shopee), jogos (Garena) e serviços financeiros digitais (Sea Money).

Além disso, o dumping desvaloriza o trabalho de pequenas empresas, que, apesar de oferecerem qualidade e bom atendimento, não conseguem competir com preços artificialmente baixos.

E a Taxa das blusinhas?

No Brasil, o Congresso aprovou uma lei conhecida como “taxa das blusinhas”, que, embora não seja tecnicamente uma medida antidumping clássica, busca proteger a indústria nacional da concorrência desleal.
Por ser impopular, a medida trouxe críticas ao governo.

O Congresso falha ao se limitar a projetos de oposição, cortes midiáticos e à falta de criatividade em projetos para estimular a indústria nacional.
Em última análise, a deslealdade nas relações de mercado gera um ciclo vicioso que ameaça o equilíbrio e a saúde do comércio justo e sustentável.


A Ascensão do Monopólio: Casos de Empresas que Aumentaram Preços Após a Eliminação da Concorrência

Em diversos setores, a ascensão de monopólios é impulsionada por práticas como o dumping.
A empresa reduz preços abaixo do custo para eliminar concorrentes e, depois, aumenta-os significativamente.

Na indústria de telecomunicações, operadoras ofereceram tarifas baixas para conquistar clientes e, depois de consolidar mercado, elevaram os preços, afetando milhões.
Isso prejudica os consumidores e reduz a qualidade dos serviços, pois a competição é enfraquecida.

Na área de medicamentos, empresas subsidiam preços para eliminar concorrentes menores e, depois, aumentam os valores.
Isso limita o acesso a tratamentos e encarece os custos para o consumidor.

Esses casos mostram como o monopólio afeta o mercado e a economia.
As táticas usadas comprometem a concorrência saudável e distorcem os princípios do livre mercado.


A Transformação dos Supermercados: De Lojas de Vizinhança a Galpões Frios

Os supermercados, antes comércios de vizinhança com atendimento personalizado, se transformaram em grandes galpões frios.
A pressão da concorrência e as práticas de dumping mudaram o perfil do setor.

Hoje, os supermercados priorizam a eficiência econômica, sacrificando o relacionamento com o cliente.
Essa mudança reduz a diversidade do mercado e limita as escolhas do consumidor.

O excesso de marcas próprias vendidas a preços inferiores prejudica os pequenos comerciantes.
Para o consumidor, a compra se torna mecânica e distante.
Para os pequenos negócios, o cenário torna-se hostil.


Entenda:

Medidas Antidumping

As medidas antidumping:

  • Exigem investigação administrativa prévia.

  • Aplicam-se apenas com comprovação da prática.

  • Visam corrigir distorções e proteger a indústria local.

REVISÃO POR IA

Veja também: Dia dos Namorados: Amor e… marketing ‣ Jeito de ver

Dia dos Namorados: Amor e… marketing

alt="Fundo romântico para Dia dos Namorados com corações"
Que tal conhecer um pouquinho da história do Dia dos Namorados?

Imagem de Jess Bailey por Pixabay

“Não é só com beijos que se prova o amor”

Que tal começarmos este texto com este slogan bem fofinho?

É verdade que o amor é demonstrado e vivido das mais variadas formas, mas o slogan acima não se referia necessariamente a essas “mais variadas formas…”

Antes de entrarmos neste assunto, que tal conhecer um pouquinho da história do Dia dos Namorados?

Uma história de amor, fé, festa e… muito, muito marketing.


Valentine’s Day e Dia dos Namorados: uma história de amor, fé, festa e… marketing

Todo mês de junho, vitrines se enchem de corações, promoções e promessas de amor.

No hemisfério norte, o clima é parecido — só que acontece em fevereiro.

Mas o que muitos talvez não saibam é que tanto o Valentine’s Day quanto o nosso Dia dos Namorados têm origens bem mais curiosas (e contraditórias) do que parecem.

Entre cabras sacrificadas, santos apaixonados, poetas medievais e publicitários criativos, o amor encontrou muitas formas de se expressar ao longo dos séculos. E vale a pena olhar com carinho essa trajetória.


🌿 Entre rituais e rebeldias

Antes de tudo virar cartão com glitter, havia festa pagã e sangue de bode.
Na Roma Antiga, existia um festival chamado Lupercália, celebrado todo mês de fevereiro.

Os sacerdotes sacrificavam cabras e cães, depois saíam pelas ruas com tiras desses animais, tocando suavemente nas mulheres para garantir fertilidade.

A cena pode parecer estranha hoje, mas era uma mistura de rito de purificação, culto à fertilidade e homenagem a deuses como Juno, ligada ao casamento, e Pan, ligado à natureza e aos instintos.

Mas foi no século III, ainda em Roma, que surgiu o nome que daria origem à celebração moderna: Valentim.

Um padre que desafiou as ordens do imperador Cláudio II, que havia proibido os casamentos achando que soldados solteiros eram melhores guerreiros. Valentim discordava — e seguia celebrando casamentos às escondidas.
Descoberto, foi preso. Na prisão, apaixonou-se pela filha do carcereiro, que era cega.

Diz a lenda que ele curou sua visão e, antes de ser executado (em 14 de fevereiro de 270), escreveu-lhe uma carta com a assinatura que atravessaria séculos: “Do seu Valentim.”


Quando a Igreja entra na dança

A Lupercália incomodava os cristãos.

Em 496, o papa Gelásio I oficializou o Dia de São Valentim, apagando aos poucos os traços pagãos da festa e transformando-a em uma celebração cristã.
Coincidência (ou não): a data foi marcada para 14 de fevereiro, o dia da morte do mártir.

Com o tempo, São Valentim virou o patrono dos apaixonados — embora, em 1969, o Vaticano tenha removido seu nome do calendário oficial, alegando falta de provas sobre sua história.

Mas, a essa altura, o amor popular já estava muito além da burocracia religiosa.


Do canto dos pássaros aos cartões rendados

Na Idade Média, o romantismo ganhou força.

Poetas como Geoffrey Chaucer, na Inglaterra, começaram a associar o 14 de fevereiro ao tempo do acasalamento dos pássaros — uma espécie de primavera emocional.
Era o início do chamado amor cortês, onde nobres trocavam cartas, poemas e pequenas lembranças.

Na França, chegou a existir uma “Corte do Amor”, com concursos poéticos celebrando os encantos da paixão.

Já no século XIX, a revolução foi industrial: nos Estados Unidos, Esther Howland, filha de donos de papelaria, criou os primeiros cartões de Valentine em larga escala.

Em seu primeiro ano, vendeu o equivalente a cinco mil dólares — uma pequena fortuna na época.

Corações, rendas e cupidos viraram padrão. O amor começava a andar de mãos dadas com o comércio.


 E no Brasil? Santo Antônio e a jogada de mestre

Enquanto o resto do mundo celebra o amor em fevereiro, aqui no Brasil a data foi plantada com criatividade e estratégia.
Em 1948, o publicitário João Doria (pai do ex-governador de São Paulo) foi chamado para aquecer as vendas de junho — um mês considerado fraco para o comércio.

Inspirado no sucesso do Dia das Mães, criou o Dia dos Namorados, marcado para 12 de junho, véspera do dia de Santo Antônio, o conhecido “santo casamenteiro”.

O slogan da campanha era direto e afetuoso:
“Não é só com beijos que se prova o amor.”

Funcionou. Hoje, o 12 de junho é a terceira data mais lucrativa do varejo brasileiro, atrás apenas do Natal e do Dia das Mães.


🌍 O amor em outras línguas

Em outros cantos do mundo, o amor também encontra jeitos inusitados de se manifestar:

  • Dinamarca: Homens mandam bilhetes anônimos rimados (gaekkebrev). Se a mulher adivinhar quem enviou, ganha um ovo de Páscoa.

  • África do Sul: Mulheres usam corações com o nome do pretendente costurado na manga da roupa.

  • Filipinas: Casamentos coletivos gratuitos são tradição em 14 de fevereiro.

  • Finlândia e Estônia: Comemoram o Dia da Amizade — amor em todas as formas.


💘 Entre o afeto e a vitrine

Pode parecer contraditório: uma história de santos, rituais, amor cortês… terminando em vitrines de shopping.

Mas talvez aí esteja justamente o charme dessas datas: elas se reinventam.

Hoje, 59% dos espanhóis dizem gastar, em média, €95 no Valentine’s Day.

E no Brasil, em 2025, os restaurantes e floriculturas seguem cheios no dia 12 de junho.
O amor pode até não ter preço — mas, no mundo moderno, ele tem data marcada, slogan, embalagem… e lugar garantido no calendário do coração (e do comércio).


P.S. É verdade que, em tempos de algoritmos (Tinder, Bumble), o clima de romance perdeu um tanto de seu encanto, e as pessoas, como num “capitalismo emocional tecnológico”, consomem seus afetos, assistem até enjoar e clicam no próximo… não se permitindo viver um pouco mais uma história.

Uma velha frase, talvez distorcida em minha memória — acredito que seja do Ailton Krenak, embora me lembre muito as citações do Goulart — dizia mais ou menos assim:
“A vida não é útil, não se come. Mas, sem ela, a gente não come, não ama.”

É estranho como, mesmo em tempos tecnológicos, geramos bilhões de curtidas românticas por dia e tudo o que, às vezes, sonhamos é com um olhar sincero, diferente, que dure mais de 30 segundos.

Pois é…apesar de tudo…precisamos de amor!

Veja também Romântico (Uma poesia simples) ‣ Jeito de ver

Texto revisado por I.A.

Luiz Gonzaga – O Rei do Baião

alt="Disco de vinil de Luiz Gonzaga"

Por muito tempo, as praças das pequenas cidades do interior nordestino ficavam lotadas de homens que se aventuravam em caminhões desconfortáveis ou ônibus em péssimas condições para o trabalho nas fazendas de corte de cana no Sudeste do Brasil.

Se expunham ao trabalho pesado, alguns morriam picados por cobras venenosas, outros penavam de saudade.

A bebida alcoólica fazia companhia ao sofrimento de muitos.

O Sudeste era símbolo de progresso, e o Norte e Nordeste eram vistos como símbolos de abandono e atraso.

Mas, como se deu isso?

A herança colonial

Esta é uma das heranças do período colonial, em que a exploração do território brasileiro foi feita de forma predatória e concentrada em ciclos econômicos regionais (a cana-de-açúcar no Nordeste, o ouro em Minas, o café no Sudeste).

À medida que o ciclo do café cresceu, especialmente no século XIX, o Sudeste passou a ter maior influência política e econômica.

Era onde estavam as elites econômicas e políticas.

Durante o século XX, principalmente com Getúlio Vargas e, depois, Juscelino Kubitschek, o Brasil passou por uma rápida industrialização — mas quase toda concentrada em São Paulo e Rio de Janeiro.

Essas regiões já tinham melhor infraestrutura, mão de obra disponível e acesso aos portos. Investimentos em energia, transporte e indústria foram canalizados para lá, ignorando o potencial de outras regiões.

Era mais rentável investir onde já havia infraestrutura.

Os grandes centros de decisão, como o Congresso, os bancos, os grandes jornais e empresas, sempre estiveram no Sul e Sudeste.

Isso criou uma espécie de “círculo vicioso”: onde há mais riqueza, há mais poder, e onde há mais poder, mais recursos são direcionados.

O descaso com o Nordeste

O Nordeste passou a ser visto por parte das elites políticas e econômicas como “problema social”, e não como região estratégica.

As políticas públicas geralmente foram emergenciais ou assistencialistas, como frentes de trabalho ou ações contra a seca — sem atacar as causas da desigualdade.

Havia preconceito e marginalização histórica contra o Nordeste.

A falta de investimentos no campo nordestino, somada às secas e ao abandono, forçou milhões a migrar para o Sudeste, onde acabavam vivendo em condições precárias nas periferias urbanas.

Isso contribuiu ainda mais para a concentração populacional e a sobrecarga dos serviços nas grandes cidades — e o ciclo se repetia.

O modelo de desenvolvimento era concentrador e excludente.

Triste Partida

Neste contexto, Patativa do Assaré compôs uma das mais belas músicas do cancioneiro brasileiro: Triste Partida.

“Setembro passou,
Outubro e Novembro,
Já tamo em Dezembro,
Meu Deus, que é de nós?
Assim fala o pobre
Do seco Nordeste,
Com medo da peste,
Da fome feroz…”

Embora Triste Partida não mencione diretamente o governo, o pano de fundo da canção é, sim, profundamente político — ainda que de forma sutil.

A seca é retratada não apenas como fenômeno natural, mas como uma tragédia social e humana agravada pela ausência do Estado e pela falta de políticas públicas eficazes para o povo nordestino.

A seca, constante no sertão, transforma-se em símbolo da negligência histórica com o Nordeste.

Luiz Gonzaga – O Rei do Baião

Luiz Gonzaga

A fome, o êxodo, a desesperança — tudo isso poderia ser amenizado com ação governamental, mas o que se vê é o abandono.

A canção narra o drama do sertanejo que deixa tudo para trás em busca de sobrevivência.

Isso é consequência direta da falta de apoio e estrutura, de crédito, de acesso à terra, de políticas de convivência com o semiárido.

O silêncio do autor sobre o governo, nesse caso, fala alto, sugerindo que o sofrimento é tão prolongado e recorrente que já nem surpreende mais.

A voz e a Asa Branca

O cantor que deu voz à canção foi Luiz Gonzaga, o autor de, entre muitas belas canções da música, Asa Branca.

A música Asa Branca, composta por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira em 1947, é uma das canções mais emblemáticas da música popular brasileira.

Ela retrata o drama da seca no sertão nordestino e a migração forçada dos sertanejos em busca de melhores condições de vida.

A letra é narrada por um sertanejo que se despede de sua terra natal devido à seca devastadora.

Ele menciona a ausência de chuvas, o sofrimento dos animais e a partida do pássaro asa-branca — símbolo da aridez do sertão.

O protagonista também se despede de sua amada, prometendo retornar quando a chuva voltar e a terra voltar a florescer.

Asa Branca é, portanto, uma canção que representa o Nordeste profundo, seu povo, sua dor, sua força e sua esperança.

É considerada um verdadeiro hino do sertão brasileiro.

Rei do Baião

Entender e expressar os sentimentos de um povo são prerrogativas de um Rei, e embora muitos o fizessem pela cultura nordestina, nenhuma voz soou tão alto quanto a de Luiz Gonzaga – O Rei do Baião.

O conhecimento da história pode ajudar a entender as raízes do preconceito e da ignorância e trazer à luz a luta de um povo que expressou a sua história e a sua luta por meio de trabalho e arte.

Vamos à história do Rei do Baião:

Luiz Gonzaga – O Rei do Baião

Luiz Gonzaga do Nascimento nasceu em 13 de dezembro de 1912, na Fazenda Caiçara, povoado do Araripe, em Exu, no sertão de Pernambuco.

Filho de Januário José dos Santos, sanfoneiro e consertador de instrumentos, e Ana Batista de Jesus, conhecida como Mãe Santana, Luiz foi batizado em 5 de janeiro de 1920 na matriz de Exu.

Seu nome foi escolhido em referência ao dia de Santa Luzia (13 de dezembro), e o sobrenome “Nascimento” foi inspirado no mês em que se celebra o nascimento de Jesus.Luiz Gonzaga – O Rei do Baião

Desde pequeno, Luiz demonstrava fascínio pela sanfona do pai. Ajudava na roça, mas preferia ouvir Januário tocar.

Com o tempo, aprendeu o instrumento e passou a animar festas da região.

Aos 13 anos, comprou sua primeira sanfona com ajuda do coronel Manuel Aires de Alencar e suas filhas, que também lhe ensinaram a ler e escrever.

Sua primeira apresentação remunerada foi em um casamento — momento em que sentiu que a música era seu destino.

A fuga de casa e o Exército

Aos 17 anos, Luiz fugiu de casa após um romance proibido e uma surra da mãe.

Foi para o Crato, no Ceará, vendeu sua sanfona e seguiu para Fortaleza, onde alistou-se no Exército em busca de uma vida melhor.

Durante a Revolução de 1930, percorreu diversas regiões como corneteiro.

Em Minas Gerais, comprou uma sanfona nova e começou a ter aulas com o mestre Domingos Ambrósio.

Teve suas primeiras experiências públicas tocando em clubes, antes de ser transferido para Ouro Fino.

Em 1939, deixou o Exército.

Carreira no Rio de Janeiro

Sem notícias da família havia nove anos, permaneceu no Rio de Janeiro à espera de um navio de volta para Pernambuco.

Um colega do Batalhão de Guardas sugeriu que ele tentasse ganhar a vida tocando sanfona pela cidade.

Luiz começou a tocar nos bares do Mangue, nas docas e nas ruas. Logo passou a se apresentar em cabarés da Lapa.

No início, seu repertório era composto por tangos, fados e valsas — exigência do público.

Tentou a sorte nos programas de calouros de Silvino Neto e Ary Barroso, mas tirava notas baixas.

Em 1940, um grupo de estudantes cearenses o incentivou a tocar músicas nordestinas.

Com a música “Vira e Mexe”, ganhou nota 5 e o primeiro lugar em um concurso de rádio.

Sua habilidade chamou a atenção de Januário França, que o convidou para acompanhar Genésio Arruda em uma gravação.

Primeiras gravações e parcerias

O desempenho foi tão bom que Ernesto Morais, diretor artístico da RCA, convidou-o para gravar como solista.

Em 14 de março de 1941, Luiz Gonzaga gravou seus dois primeiros discos.

Nos anos seguintes, gravou cerca de 70 músicas, muitas instrumentais.

Em 1945, lançou seu primeiro disco como cantor, com a música “Dança Mariquinha”, marcando o início de sua carreira vocal.

Parcerias e o sucesso do baião

Em busca de um parceiro letrista, Luiz conheceu o advogado cearense Humberto Teixeira, com quem formou uma das duplas mais importantes da música brasileira.

Juntos lançaram sucessos como “Baião”, “Asa Branca”, “Assum Preto”, “Paraíba” e “Kalu”.

As músicas eram acompanhadas por sanfona, triângulo e zabumba — a formação clássica do forró pé de serra.

“Asa Branca”, lançada em 3 de março de 1947, se tornou um marco.

A canção, de caráter folclórico, retrata o drama do sertanejo diante da seca e foi gravada por artistas como Dominguinhos, Sérgio Reis e Baden Powell.

Retorno ao Nordeste e novos parceiros

Após anos longe de casa, Luiz retornou ao Recife e passou a se apresentar nos programas de rádio da capital. Com trajes típicos — gibão de couro, chapéu de vaqueiro e óculos Ray-Ban —, reforçava sua identidade nordestina.

Em 1949, levou a família para o Rio de Janeiro e conheceu o médico e compositor Zé Dantas, iniciando uma nova e frutífera parceria, que rendeu canções como “Vem Morena”, “Cintura Fina”, “A Dança da Moda” e “A Volta da Asa Branca”.

Entre 1948 e 1954, morou em São Paulo e viajava o Brasil fazendo shows.

Tornou-se um dos artistas mais populares do país, levando os ritmos do sertão para as grandes cidades.

Em 1980, Luiz Gonzaga cantou para o Papa João Paulo II, em Fortaleza. Apresentou-se também em Paris, a convite da cantora Nazaré Pereira. Recebeu o prêmio Nipper de Ouro e dois discos de ouro com o álbum “Sanfoneiro Macho”.

Vida pessoal

Luiz Gonzaga teve um relacionamento com a cantora e dançarina Odaléia Guedes dos Santos, com quem teve um filho, Luiz Gonzaga do Nascimento Júnior, o Gonzaguinha, em 1945.

Odaléia faleceu quando o menino tinha dois anos.

Em 1948, Gonzagão casou-se com Helena Neves Cavalcanti, que o ajudou a criar Gonzaguinha. O casal também adotou uma menina, Rosa Gonzaga.

Luiz Gonzaga morreu em 2 de agosto de 1989, no Recife, deixando um legado inestimável para a música brasileira.

Foi um dos artistas mais importantes da história da MPB e verdadeiro porta-voz da cultura nordestina.

Seus sucessos continuam vivos na memória do povo e influenciaram gerações de músicos, como Gilberto Gil, Caetano Veloso, Raul Seixas e Geraldo Vandré.

Será eternamente lembrado como o Rei do Baião, aquele que deu voz, forma e ritmo ao Sertão — e transformou a dor de sua terra em música eterna.

O conhecimento da história pode ajudar a entender as raízes do preconceito e da ignorância e trazer à luz a luta de um povo que expressou a sua história e a sua luta por meio de trabalho e arte.

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Baião: A Dança Nordestina de Raiz

Fonte: Wikipedia

Biografia de Luiz Gonzaga – eBiografia

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