Alguns livros ganham uma profundidade extra quando alguém os conecta à sua própria realidade, revelando nuances que talvez tenham passado despercebidas anteriormente.
Há tempos, voltando tarde das aulas de inglês, no silêncio quase meia-noite do transporte da Prefeitura, uma estudante se sentou ao meu lado e compartilhou seus planos para o futuro. Seu modo cativante e otimismo eram inspiradores.
Ela falava dos sonhos de cursar Direito, de cuidar das pessoas e de outras ambições, e eu me maravilhava: “Como pode haver espaço para tantos sonhos dentro de alguém tão sereno?”
Naquela conversa, redescobri um pedaço de mim mesmo. Na minha juventude, entre poesias e músicas, sonhava com a profissão mais inspiradora: ser professor e ajudar a trilhar caminhos.
Eu estava sem palavras, ciente do esforço daquela pequena cansada para se manter acordada.
E então, ela me disse: “Estou lendo um livro que está mexendo muito comigo, você conhece a história de Anne Frank? Estou lendo ‘O Diário de Anne Frank’!”
O entusiasmo dela me fez esquecer o cansaço. Pedi que me contasse mais. Ela descreveu a avançada Anne Frank, sua paixão por filmes, o sonho de ser atriz e sua decisão de registrar sua rotina em “Kitty”, o nome que deu ao seu diário. Ela me falou das experiências da jovem durante o período de confinamento, suas paixões, medos e incertezas sobre o futuro.
Mesmo sem chegar ao fim do diário (a menina temia este momento), ela já conhecia o resumo da história ( e eu também!). As luzes da cidade se aproximaram enquanto agradeci por tornar a viagem mais agradável.
Prometemos falar mais sobre o livro, mas eu sabia que, ao concluir meu curso, isso dificilmente aconteceria. Ao chegar em casa, algo me instigava: “Por que não reler ‘O Diário de Anne Frank’?”
E assim o fiz.
Cada palavra no diário ganhou uma nova vida, cada momento e experiência me ensinaram uma nova lição. Comecei a questionar menos sobre a maldade das pessoas e mais sobre como pequenos atos podem dar significado ao mundo.
Não, não vou contar o que está no diário ou narrar a história de Anne Frank. Recomendo que você mesmo o faça. Leia, pense na natureza humana e no quanto ainda há para aprender.
Gilson Cruz
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