Contos de Carnaval (uma história com H)

Máscaras de carnavais e bailes de fantasia. Um texto bem humorado sobre o carnaval no interior.

Imagem de Adriano Gadini por Pixabay

A cidade se aglomerava e de repente Dona Margarete gritava: –“Eu falei Faraó…”

Automaticamente a multidão seguia naquela mais que animada romaria, cantando: “Ê Faraó… Ê Faraó…”

– Mas, sou capaz de apostar que a maioria das pessoas não sabia cantar metade daquela letra complicada e imensa!

Os compositores eram realmente geniais!

Para a multidão o importante  mesmo era tentar cantar as frases ou mesmo as sílabas que conseguiam lembrar, esbarrar nos outros, dançar e na maioria das vezes, apenas pular!

E por falar em dançar, a cada nova estação, uma nova dança: A dança da galinha, o Fricote, o Tchu-tchu, a manivela...não dá pra lembrar de tudo!

Esse era o Carnaval na capital e no interior da Bahia!

No interior, havia a micareta (e no momento NERD do dia , lembro a você  que MICARETA vem de uma palavra francesa que significa “meio de quaresma” – período entre os dias 14 de Fevereiro e 28 de Março)  e o trio elétrico tocando canções  nordestinas animadas arrastando um monte de gente pela cidade, num tour bem divertido mas, barulhento pra caramba!

A banda Bamda Mel (isso mesmo, BaMda) puxava o “Prefixo de Verão” e pregava a paz na “Baianidade Nagô“, um “Cometa mambembe” atingia em cheio a multidão que  queria apenas ” botar o bloco na rua” enquanto o “Frenesi” balançava a massa.

E cabia tudo naquelas ruas  desde “Senegal’, “Moçambique”, “Madagascar” e  Bagdá”,  ó ó ó Bagdá… até o Egito, Egito ê!

Quando a rodinha apertava, Sara Jane, pedia que abrisse, mas era um “Auê” mesmo, quando faltava o freio no Trio Elétrico!

E por falar em falhas mecânicas, um dia os  freios do Trio Elétrico foram curtir no meio do povo e o caminhão desceu a ladeira abaixo desgovernado – acho que os músicos ou se empolgaram demais ou se borraram de tanto medo, pois o axé naquela hora soou como um perfeito heavy metal! Poucas pessoas tiveram as pernas quebradas e por bem pouco não estiveram entre aquelas que “não iam atrás do trio elétrico” por motivos óbvios, como cantava o Moraes.

Sim, o Trio Elétrico “sacudia, abalava” e aquele terremoto parecia não ter fim, a Reflexus pedia liberdade ao Mandela, o Olodum fazia o seu protesto, apresentava o Berimbau, cantava o “Samba do recôncavo” e o Araketu deixava muita gente mal acostumada

Mas, por que é que chamam aquele caminhão de TRIO ELÉTRICO?

Bem…veja a  história:

Tudo que então era possível, se dava porque em décadas anteriores , especialmente na década de 1950, dois amigos: Adolfo Antônio do Nascimento (Dodô), Osmar Alvares Macedo (Osmar) colocaram aparelhos de som no carro, um Ford 1929, conhecido como a Fobica. No início, eram conhecidos como a Dupla Elétrica.  Sim…mas, e o Trio? – EBC | Como foi inventado o Trio Elétrico?

A dupla se tornou Trio quando convidaram Temístocles Aragão para formar o que viria a ser chamado de Trio Elétrico.

E aí você imagina, quando a Fobica se aproximava trazendo o Trio Elétrico tocando especialmente Frevos, o povo gritava: –“Lá vem o trio Elétrico…

– Alguém entendeu que se referia ao carro, então a coisa  pegou!

Hoje as pessoas conhecem como Trio Elétrico  aqueles caminhões equipados de caixas de som.

Na década de 1970, o versátil Moraes Moreira passou a soltar a sua voz nos trios elétricos – se tornando o primeiro cantor desta área. E desde sempre, o mágico Armandinho Macêdo, um dos mais talentosos músicos da história (e ele já é uma história a parte) mostrava o que se era possível fazer numa guitarra, em especial – a guitarra baiana. – Armandinho (guitarrista) – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)

Na década seguinte, um pequeno príncipe surge cantando canções bem ritmadas, com belas letras ( e algumas que certamente se encaixam apenas naquela época) – indo num  Fricote até o chão.

A linda voz do Luiz Caldas fluía desde os contagiantes axés de “Tieta”, “Magia”, “Haja amor”, “Eu vou já” até as suaves “È tão bom” e “Flor Cigana”.

E era realmente tão bom, quando Beijos, Cheiros, Chicletes, Asas, Blocos Afros e muitas outros cantores incríveis desfilavam pela avenida com músicas, protestos e histórias – não só a Praça Castro Alves era do Povo, mas todas as praças pertenciam ao povo.

O tempo passa e as coisas mudam…

E as avenidas seriam então diferentes…

Os blocos agora podiam pagar cantores para animar seus associados, que protegidos por cordas e seguranças,  curtiriam então a sua festa na segurança do seu espaço privado na rua, (pois é, a “fantasia não seria eterna” como queria a Baianidade Nagô para os carnavais, os cantores também precisavam viver e animar o carnaval era o seu trabalho) já para aqueles que não pagavam, restaria  “aproveitar o espaço que sobrasse aos pipocas”.

O repertório do Carnaval mudou e artistas de outros estilos passaram a ser convidados para  novos públicos: sertanejo, rock’n roll, tango… ( acho que o tango, ainda não)-  prática talvez iniciada lá, quando o freio do caminhão falhou na ladeira e os músicos carnavalescos emularam perfeitamente o primeiro heavy metal num carnaval…

Enquanto isso, no interior, o velho Prefeito pedia ao Trio Elétrico, para que nesse tour musical através da cidade, parasse próximo ao Cemitério e a banda tocasse em homenagem aos velhos foliões…que certamente, jaziam sem muita ansiedade ou entusiasmo, nos túmulos…

E no Centro, quando as coisas esquentavam e as pessoas confundiam a dança com a briga, o guarda Miguel dava três tiros para cima, talvez para lembrar que a homenagem aos velhos foliões já tinha acontecido naquele dia e que se não parassem , os valentões seriam os  homenageados do ano seguinte…

E a Banda Doce Magia fazia a sua  música, com o patrocínio costumeiro dado à cultura em pequenas cidades…

Conheça mais a história dos micaretas no Canal MICARETAS ANTIGAS

Foto Almeida NO YOUTUBE, do pesquisador Ananias Almeida.

https://www.youtube.com/@micaretasantigasfotoalmeid7790

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Comentário (3)

  • Paulo Santana Fernandes Junior| 17 de maio de 2023

    O conto possui um néctar da cultura na qual, subjetivamente denomino de “baianidade”! Pois ao ver em Salvador, assistir pelas telas de TV, ou pelas redes sociais, reparo a força que o povo baiano coloca, seja no interior, mas principalmente na capital, a força desse povo guerreiro, que mesmo nas adversidades da vida, esquecem, por um momento as maselas e tristezas do dia-a-dia, na qual o pensador alemão do século XIX, Friedrich Nietzsche, denominará: “Vontade de potência”.
    Confesso que nasci e vivi em São Paulo, culturalmente denominado: “povo triste”, e nunca vi transbordar essa festividade, essa religiosidade e explosão da cultura que posso chamar, se puder, da identidade mundial da nossa “BAHEA”.

    • Gilson Cruz| 17 de maio de 2023

      Muito obrigado, meu querido Paulo. Os seus comentários sempre enriquecem as nossas matérias. Contamos sempre com a sua colaboração. Muito obrigado, por tudo.

  • Bete| 18 de maio de 2023

    Amei o conto,c MT humor,me fez voltar ao passado! 😂😂😂

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