A cidade se aglomerava e de repente Dona Margarete gritava: –“Eu falei Faraó…”
Automaticamente a multidão seguia naquela mais que animada romaria, cantando: “Ê Faraó… Ê Faraó…”
– Mas, sou capaz de apostar que a maioria das pessoas não sabia cantar metade daquela letra complicada e imensa!
Os compositores eram realmente geniais!
Para a multidão o importante mesmo era tentar cantar as frases ou mesmo as sílabas que conseguiam lembrar, esbarrar nos outros, dançar e na maioria das vezes, apenas pular!
E por falar em dançar, a cada nova estação, uma nova dança: A dança da galinha, o Fricote, o Tchu-tchu, a manivela...não dá pra lembrar de tudo!
Esse era o Carnaval na capital e no interior da Bahia!
No interior, havia a micareta (e no momento NERD do dia , lembro a você que MICARETA vem de uma palavra francesa que significa “meio de quaresma” – período entre os dias 14 de Fevereiro e 28 de Março) e o trio elétrico tocando canções nordestinas animadas arrastando um monte de gente pela cidade, num tour bem divertido mas, barulhento pra caramba!
A banda Bamda Mel (isso mesmo, BaMda) puxava o “Prefixo de Verão” e pregava a paz na “Baianidade Nagô“, um “Cometa mambembe” atingia em cheio a multidão que queria apenas ” botar o bloco na rua” enquanto o “Frenesi” balançava a massa.
E cabia tudo naquelas ruas desde “Senegal’, “Moçambique”, “Madagascar” e Bagdá”, ó ó ó Bagdá… até o Egito, Egito ê!
Quando a rodinha apertava, Sara Jane, pedia que abrisse, mas era um “Auê” mesmo, quando faltava o freio no Trio Elétrico!
E por falar em falhas mecânicas, um dia os freios do Trio Elétrico foram curtir no meio do povo e o caminhão desceu a ladeira abaixo desgovernado – acho que os músicos ou se empolgaram demais ou se borraram de tanto medo, pois o axé naquela hora soou como um perfeito heavy metal! Poucas pessoas tiveram as pernas quebradas e por bem pouco não estiveram entre aquelas que “não iam atrás do trio elétrico” por motivos óbvios, como cantava o Moraes.
Sim, o Trio Elétrico “sacudia, abalava” e aquele terremoto parecia não ter fim, a Reflexus pedia liberdade ao Mandela, o Olodum fazia o seu protesto, apresentava o Berimbau, cantava o “Samba do recôncavo” e o Araketu deixava muita gente mal acostumada…
Mas, por que é que chamam aquele caminhão de TRIO ELÉTRICO?
Bem…veja a história:
Tudo que então era possível, se dava porque em décadas anteriores , especialmente na década de 1950, dois amigos: Adolfo Antônio do Nascimento (Dodô), Osmar Alvares Macedo (Osmar) colocaram aparelhos de som no carro, um Ford 1929, conhecido como a Fobica. No início, eram conhecidos como a Dupla Elétrica. Sim…mas, e o Trio? – EBC | Como foi inventado o Trio Elétrico?
A dupla se tornou Trio quando convidaram Temístocles Aragão para formar o que viria a ser chamado de Trio Elétrico.
E aí você imagina, quando a Fobica se aproximava trazendo o Trio Elétrico tocando especialmente Frevos, o povo gritava: –“Lá vem o trio Elétrico…”
– Alguém entendeu que se referia ao carro, então a coisa pegou!
Hoje as pessoas conhecem como Trio Elétrico aqueles caminhões equipados de caixas de som.
Na década de 1970, o versátil Moraes Moreira passou a soltar a sua voz nos trios elétricos – se tornando o primeiro cantor desta área. E desde sempre, o mágico Armandinho Macêdo, um dos mais talentosos músicos da história (e ele já é uma história a parte) mostrava o que se era possível fazer numa guitarra, em especial – a guitarra baiana. – Armandinho (guitarrista) – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)
Na década seguinte, um pequeno príncipe surge cantando canções bem ritmadas, com belas letras ( e algumas que certamente se encaixam apenas naquela época) – indo num Fricote até o chão.
A linda voz do Luiz Caldas fluía desde os contagiantes axés de “Tieta”, “Magia”, “Haja amor”, “Eu vou já” até as suaves “È tão bom” e “Flor Cigana”.
E era realmente tão bom, quando Beijos, Cheiros, Chicletes, Asas, Blocos Afros e muitas outros cantores incríveis desfilavam pela avenida com músicas, protestos e histórias – não só a Praça Castro Alves era do Povo, mas todas as praças pertenciam ao povo.
O tempo passa e as coisas mudam…
E as avenidas seriam então diferentes…
Os blocos agora podiam pagar cantores para animar seus associados, que protegidos por cordas e seguranças, curtiriam então a sua festa na segurança do seu espaço privado na rua, (pois é, a “fantasia não seria eterna” como queria a Baianidade Nagô para os carnavais, os cantores também precisavam viver e animar o carnaval era o seu trabalho) já para aqueles que não pagavam, restaria “aproveitar o espaço que sobrasse aos pipocas”.
O repertório do Carnaval mudou e artistas de outros estilos passaram a ser convidados para novos públicos: sertanejo, rock’n roll, tango… ( acho que o tango, ainda não)- prática talvez iniciada lá, quando o freio do caminhão falhou na ladeira e os músicos carnavalescos emularam perfeitamente o primeiro heavy metal num carnaval…
Enquanto isso, no interior, o velho Prefeito pedia ao Trio Elétrico, para que nesse tour musical através da cidade, parasse próximo ao Cemitério e a banda tocasse em homenagem aos velhos foliões…que certamente, jaziam sem muita ansiedade ou entusiasmo, nos túmulos…
E no Centro, quando as coisas esquentavam e as pessoas confundiam a dança com a briga, o guarda Miguel dava três tiros para cima, talvez para lembrar que a homenagem aos velhos foliões já tinha acontecido naquele dia e que se não parassem , os valentões seriam os homenageados do ano seguinte…
E a Banda Doce Magia fazia a sua música, com o patrocínio costumeiro dado à cultura em pequenas cidades…
Conheça mais a história dos micaretas no Canal MICARETAS ANTIGAS
Foto Almeida NO YOUTUBE, do pesquisador Ananias Almeida.
https://www.youtube.com/@micaretasantigasfotoalmeid7790
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Comentário (3)
Paulo Santana Fernandes Junior| 17 de maio de 2023
O conto possui um néctar da cultura na qual, subjetivamente denomino de “baianidade”! Pois ao ver em Salvador, assistir pelas telas de TV, ou pelas redes sociais, reparo a força que o povo baiano coloca, seja no interior, mas principalmente na capital, a força desse povo guerreiro, que mesmo nas adversidades da vida, esquecem, por um momento as maselas e tristezas do dia-a-dia, na qual o pensador alemão do século XIX, Friedrich Nietzsche, denominará: “Vontade de potência”.
Confesso que nasci e vivi em São Paulo, culturalmente denominado: “povo triste”, e nunca vi transbordar essa festividade, essa religiosidade e explosão da cultura que posso chamar, se puder, da identidade mundial da nossa “BAHEA”.
Gilson Cruz| 17 de maio de 2023
Muito obrigado, meu querido Paulo. Os seus comentários sempre enriquecem as nossas matérias. Contamos sempre com a sua colaboração. Muito obrigado, por tudo.
Bete| 18 de maio de 2023
Amei o conto,c MT humor,me fez voltar ao passado! 😂😂😂