Não sabes criança? ‘Stou louco de amores… Prendi meus afetos, formosa Pepita. Mas onde? No templo, no espaço, nas névoas?! Não rias, prendi-me Num laço de fita. Na selva sombria de tuas madeixas, Nos negros cabelos da moça bonita, Fingindo a serpente qu’enlaça a folhagem, Formoso enroscava-se O laço de fita. Meu ser, que voava nas luzes da festa, Qual pássaro bravo, que os ares agita, Eu vi de repente cativo, submisso Rolar prisioneiro Num laço de fita. E agora enleada na tênue cadeia Debalde minh’alma se embate, se irrita… O braço, que rompe cadeias de ferro, Não quebra teus elos, Ó laço de fita! Meu Deus! As falenas têm asas de opala, Os astros se libram na plaga infinita. Os anjos repousam nas penas brilhantes… Mas tu… tens por asas Um laço de fita. Há pouco voavas na célere valsa, Na valsa que anseia, que estua e palpita. Por que é que tremeste? Não eram meus lábios… Beijava-te apenas… Teu laço de fita. Mas ai! findo o baile, despindo os adornos N’alcova onde a vela ciosa… crepita, Talvez da cadeia libertes as tranças Mas eu… fico preso No laço de fita. Pois bem! Quando um dia na sombra do vale Abrirem-me a cova… formosa Pepita! Ao menos arranca meus louros da fronte, E dá-me por c’roa… Teu laço de fita.
Comentando o Poema
A quem foi dedicado?
Este belo poema certamente tinha de ser dedicado a alguém.
É contado em alguns lugares que o poema “O Laço de Fita” foi dedicado a uma formosa jovem paulistana chamada Maria Amália Lopes de Azevedo:
“Não sabes, criança? ‘stou louco de amores… Prendi meus afetos, formosa Pepita. Mas onde? No templo, no espaço, nas névoas? Não rias, prendi-me num laço de fita…”
A bela jovem mais tarde se tornaria dona das terras que hoje compõem o bairro do Tremembé, cuja principal avenida leva seu nome. Essa versão, porém, que faz dela a musa inspiradora de “O Laço de Fita”, não é confirmada pelos historiadores.
Simbolismos
Essa poesia de Castro Alves é um belíssimo exemplo do lirismo romântico, repleto de musicalidade, imagens vívidas e uma intensa entrega sentimental.
A repetição do símbolo do “laço de fita” confere unidade ao poema, transformando um simples adorno em um poderoso emblema da paixão e do aprisionamento amoroso.
O eu lírico se declara enfeitiçado por Pepita, e sua paixão não está presa a conceitos abstratos como templo ou névoas, mas sim a um elemento concreto e delicado: o laço de fita nos cabelos da amada.
O laço adquire um simbolismo duplo, representando tanto a suavidade do amor quanto a força de sua escravidão sentimental. A metáfora da serpente que se enrosca na folhagem reforça essa ideia de encantamento e domínio.
Esse jogo entre liberdade e cativeiro é um dos grandes temas do poema.
O eu lírico começa como um pássaro que voa livremente, mas é subitamente capturado.
Ele compara sua paixão a uma cadeia quase invisível, pois, embora sua força possa romper cadeias de ferro, ele é incapaz de se libertar do suave e frágil laço de fita. Essa contradição ressalta o poder avassalador do amor.
Romantismo
Na última estrofe, o tom se torna mais melancólico, evocando a morte como o destino final.
Mesmo após a morte, ele deseja que o laço esteja presente como sua coroa fúnebre, demonstrando a ideia romântica da paixão eterna, que transcende a vida.
Castro Alves, com sua habilidade descritiva, transforma um detalhe aparentemente simples — um laço nos cabelos — em um elemento que amplifica o fascínio de Pepita. O “laço de fita” não é apenas um símbolo de aprisionamento amoroso, mas também um adorno que intensifica a beleza da amada.
O verso “Na selva sombria de tuas madeixas, / Nos negros cabelos da moça bonita” destaca como o laço não apenas enfeita, mas dialoga com a imagem dos cabelos negros, criando um contraste e um jogo de luz e sombra que potencializam o magnetismo da personagem.
Esse detalhe sugere que a beleza de Pepita não está apenas em sua aparência, mas também no efeito que ela causa no olhar do apaixonado.
A eternidade
O laço, por ser um objeto delicado e passageiro, torna-se um símbolo da efemeridade dos momentos de encanto.
A forma como ele se movimenta na dança, como é beijado pelo vento (e não pelos lábios do eu lírico), reforça a ideia de que o desejo e a adoração se voltam para algo quase etéreo, um detalhe que, paradoxalmente, aprisiona e liberta ao mesmo tempo.
Os últimos versos:
“Pois bem! Quando um dia na sombra do vale Abrirem-me a cova… formosa Pepita! Ao menos arranca meus louros da fronte, E dá-me por c’roa… Teu laço de fita.”
O poeta dramatiza o amor como algo tão essencial que ele quer levá-lo consigo para a eternidade.
Não é apenas a lembrança de Pepita que ele deseja no túmulo, mas o próprio laço, símbolo de sua submissão apaixonada, de sua prisão voluntária nos encantos da amada.
Esse pedido final torna o poema mais intenso e sentimental porque sugere que o amor não termina com a vida, mas permanece como um desejo derradeiro, uma espécie de última vontade sagrada.
Essa visão reforça o tom romântico exacerbado de Castro Alves, onde o sentimento amoroso é vivido com tal plenitude que não há distinção entre amor e destino.
A força da poesia vem justamente desse exagero belo e arrebatador, onde um simples ornamento se transforma no emblema de um amor que transcende tempo e matéria.
Resumo biográfico
Castro Alves: O Poeta da Liberdade
O poeta Castro Alves foi uma grande expressão do Romantismo no Brasil.
Antônio Frederico de Castro Alves (1847-1871) foi um dos maiores poetas românticos do Brasil, destacado por seu engajamento social e político.
Nascido na Fazenda Cabaceiras, na Bahia, cresceu em um ambiente culto e, desde cedo, demonstrou talento para a poesia. Iniciou sua produção literária ainda adolescente e, aos 17 anos, já escrevia os versos de Os Escravos, tornando-se um ícone da luta abolicionista.
Publicou Espumas Flutuantes em vida, mas sua morte prematura, aos 24 anos, interrompeu uma carreira brilhante. Seu legado, no entanto, permanece vivo, inspirando gerações com sua poesia apaixonada e combativa.
Eugênia Câmara, grande amor do poeta
A vida intensa, somada às circunstâncias da época, contribuiu para seu declínio e, posteriormente, sua morte.
Castro Alves foi um homem de muitas paixões, apaixonando-se intensa e constantemente. Podemos citar Leonídia Fraga, que o amou desde o início sem ser correspondida, como merecia, ou mesmo sua primeira mulher, Idalina, e as irmãs hebreias.
Sua última paixão não correspondida foi a cantora italiana Agnese Trinci Murri.
Aquela que, porém, refletia seu espírito intenso e aventureiro foi a atriz Eugênia Câmara. Talvez por isso tenha sofrido tanto com as consequências da separação, marcada por brigas e traições.
Após uma vida intensa, faleceu em 1871.
A sua vida e importãncia serão abordados em futuros posts.
No centenário de sua morte, em 1971, decidiu-se pelo traslado de seus restos mortais para o monumento na Praça Castro Alves, em Salvador, sob determinação do então prefeito Antônio Carlos Magalhães.
A decisão contrariou um sobrinho-neto do poeta, que defendia a construção de um panteão. A transferência ocorreu sem cerimônia especial no dia 6 de julho daquele ano.