Imagem de Сергей Игнацевич por Pixabay
Ou, talvez, o incentivo que falta aos músicos anônimos…
O lado músico
Apaixonado por música, costumo sair às noitinhas para ouvir os sons nos bares do centro da cidade.
O som produzido por músicos ainda anônimos me atrai. Esses músicos tocam por trocados para alimentar o sonho e a família, dando o seu melhor.
Enquanto isso, clientes conversam entre si, bebem, falam de futebol, novelas, filmes, falam de tudo — menos da canção que vem do pequeno palco, cuidadosamente preparado para o artista. O cachê é pequeno — pequenas cidades significam pequenos movimentos.
Em cada canção, uma emoção diferente.
Tudo o que ele aguarda são aplausos. Pois bem sabem os verdadeiros músicos: são os aplausos que alimentam sonhos. E, como diz a canção, sonhos não envelhecem.
Mas os sonhos também precisam ser alimentados com o uso correto de incentivos, também pelo poder público, que pode organizar festivais municipais e eventos culturais.
A Lei Rouanet
A Lei Rouanet, de 1991, foi criada com o objetivo de incentivar e fortalecer a arte e a cultura (Lei 8.313 de 23/12/1991).
Por quê?
Bem, apesar de muitos porquês, lembre-se:
O primeiro objetivo de um conquistador e colonizador é sobrepor sua cultura à dos nativos, pois a cultura é a raiz, a força de uma sociedade.
A cultura é a identidade de um povo.
A música norte-americana domina o mundo inteiro. Mas não é apenas pela qualidade, há também o interesse em sua divulgação.
O mesmo pode ser dito das propagandas do American way of life (modo de vida americano) por meio dos filmes hollywoodianos.
Nesta mesma linha, testemunhamos a explosão do K-POP (cultura pop sul-coreana), promovida por grupos super bem coreografados, filmes e séries.
Os governos desses países apoiam a cultura, pois sabem que o fortalecimento da imagem gera retorno em maior exposição, resultando em maior interesse de outros países por sua cultura e, consequentemente, aumento em vendas e turismo.
Dominando a cultura, será mais fácil dominar as outras coisas — principalmente o modo de pensar.
As leis de incentivo à cultura – Um pouco de história
A lei de fomento à cultura já existe há muito tempo no Brasil. Por exemplo, em 1967 foi criada uma lei que abatia do ICM qualquer gasto com gravações de artistas nacionais.
Os aprovados recebiam o selo “Disco é Cultura”, frase comum em quase todos os Long Plays (LPs).
O “Disco é Cultura” fazia parte do incentivo do governo para a disseminação da música e de artistas nacionais.
Os benefícios seriam imensos para a arte, a história e a economia do país.
Artistas nacionais dos mais variados estilos eram descobertos e divulgados, numa troca cultural e econômica.
A Lei Rouanet sofrendo ataques
A Lei Rouanet tinha objetivos semelhantes.
O valor que empresários investissem na cultura seria deduzido do imposto de renda, resultando em ganhos para o investidor, para o artista e para a cultura.
Esta foi duramente atacada e distorcida por quem não a entendia ou talvez tivesse a intenção de enfraquecer a cultura.
Saiba mais nos links: Lei Rouanet: conheça a lei de incentivo à cultura | Politize! e Lei Rouanet: O que é, Como Funciona e Mitos – FIA.
Tornou-se lugar comum referirem-se a artistas que faziam uso desta lei como vagabundos e “mamateiros” (termo usado para insinuar que aqueles que se beneficiavam da Lei Rouanet eram “privilegiados”).
Alguns artistas passaram a ser humilhados por isso.
A população mal informada comprou a ideia, mas não percebeu o que acontecia nos bastidores.
Enquanto criticavam uma lei, que apesar de imperfeita era legítima, aconteciam as verdadeiras distorções.
As distorções
A crítica à Lei Rouanet tornou-se uma cortina de fumaça para casos escabrosos como o exemplo a seguir:
Pequenos municípios no interior do Brasil faziam contratos de shows por valores absurdos, com artistas medíocres, divulgados por uma imprensa massiva como o “sucesso” do momento.
Alguns exemplos nos links: Megacachês: Agropop surpreendido de calça curta – Outras Palavras e Sobre o desvio de recursos públicos para cachês milionários em shows de cantores sertanejos – CTB.
Panem et circenses…
“Dêem pão e circo e o povo estará satisfeito…”
Como na canção Panis et Circenses, de Gilberto Gil, “as pessoas estão ocupadas em nascer e morrer”.
As pessoas estão condicionadas a achar que estão recebendo benesses das prefeituras por assistirem a tais “artistas” superfaturados e não questionam o mau uso dos recursos públicos.
Diferente das plantas da canção, “cujas folhas procuram o sol e as raízes procuram no solo seus nutrientes”, não conseguem supor que, às vezes, quando não são vítimas, são participantes de uma fraude!
Os pequenos músicos, talentos que resistem a uma sociedade míope, dão o melhor de si, na esperança de serem descobertos e patrocinados neste sistema já corrompido.
Que a cada canção bem executada esperem, além do pequeno cachê, o reconhecimento de todo artista, tanto em aplausos quanto em incentivos, para viver da arte e para a arte.
Gilson Cruz