Sabe aquelas histórias, aparentemente, sem pé, nem cabeça, que te contam e que ficam na tua mente por anos?
Há muitos anos, enquanto aguardava o ônibus que trazia as mercadorias para o meu trabalho, um senhor, desconhecido, se aproximou e aparentemente sem nenhum motivo começou a me contar uma história mais ou menos assim:
“Na cidade onde eu morava, conheci um menino gente boa, de família boa – mas pensa num menino que desacertou na vida!
Ele tinha vários irmãos, cinco ou seis, não me lembro bem e num deslizamento de terra… perdeu a maioria deles.
Restaram, apenas, ele e mais dois irmãos.
Após as tragédias, a vida jamais volta ao normal.
As pessoas aprendem a viver com o que se apresenta a elas.
O mundo mudou totalmente para ele, e ele não sabia disso.
Vivendo com o que tinha nas mãos, chegou à adolescência. Se essa fase é tão complicada para qualquer pessoa, imagina para um menino que trazia na cabeça tantos problemas?
Ele parecia um bom menino, não brigava, era prestativo e como qualquer adolescente estava carente de amizades.
E ele fez amizades.
Mas, não se pode dizer que eram boas amizades.
Os amigos que ele encontrou ofereceram algumas coisas, que não eram boas pra ele, sabe? Drogas…
Seu comportamento não mudou muito em casa, ele continuava calado, mas era amoroso com os pais…
Ah! Com o tempo, ele viciou… e os amigos passaram a cobrar pelas drogas que ele usava.
Quando não era dinheiro, eram favores…sabe aquele negócio de avião? Avião é aquele que leva a encomenda de uma área a outra da cidade. Pra sustentar o vício ele passou a cooperar com os amigos, que passaram a lhe fornecer coisas cada vez mais viciantes…
Quando a dependência já governava as suas atitudes os seus amigos forneceram uma arma e lhe pediram um “favor”.
-” Dá um susto lá no concorrente!”
E lá foi ele, mas as coisas não saíram como programadas, e ele foi acabou sendo detido por tentativa de homicídio.
Acho que ele atirou no sujeito lá, não sei…
Na prisão, ele temia, suas crises de abstinência, medo dos policiais… medo, de outros presos.
E por causa dum longo período preso, conseguiu se livrar do vício e agora vida nova.
Decidiu procurar emprego, casar com a namorada… Estava pronto para ser um novo homem!
Morando agora com a pessoa que amava, todo dia ele saía pela grande cidade em busca de trabalho, queria um emprego. Mas ao examinarem os seus antecendentes, ninguém lhe dava a oportunidade.
Seu registro tinha a observação de ex-detento.
As pessoas tinham medo!
E por meses ele tentou, sua mulher passava o dia faxinando em várias casas para ter algo para comer e ele tinha por profissão, procurar trabalho. E não encontrava!
Envergonhado, para não parecer um fracassado passou a cometer pequenos crimes. Pequenos roubos.
Trazia agora um pouco de dinheiro pra casa.
E sua mulher, inocente, agora se alegrava com a primeira chance dada ao seu marido.
Mas, ele não era bom no que fazia… até que, foi preso novamente.
Explicou à Polícia que nos ultimos anos procurou trabalho e que ninguém se arriscava a confiar nele.
Ex-detento!
Foi enviado para a prisão e novamente, cumpriu a pena e saiu.
E o roteiro se repetiu, nos mesmo detalhes. Procurar emprego, receber “Não”, não conseguir olhar sem constrangimento a amada nos olhos…
Ele perdeu novamente o brilho nos olhos…como um menino assustado na tragédia.
Ele não tinha armas, vou te lembrar isso…
Até que um dia contrataram ele para um serviço, não sei quem foi – e lá, ninguém se ousava a perguntar quem era.
De repente, traficantes pequenos, aviões, ladrões e algumas pessoas tidas como perigosas passaram a ser executadas na cidade.
Diziam por lá, que o pobre menino virou justiceiro. Pois toda vez que ‘os homem’ apareciam na casa dele com um pacote, no outro dia um marginal morria. ( Nota: Marginal é um termo usado para definir os que vivem à margem da lei).
Se quer saber a verdade, eu tenho certeza que era ele. Mas, ninguém nunca vai saber quem eram ‘os homem’ que contratava ele.
Ele parecia não viver mais. Ficava na porta de sua casa, calado, olhando o vazio…
Sua mulher o amava, mas não conseguia ver vida nas palavras, nos gestos, no olhar dele.
A criminalidade diminuiu bastante naquela região.
Ele, numa ultima tentativa de resgatar um pouco da vida que perdeu, vestiu a sua melhor roupa.
Saiu de casa na esperança de que desta vez, os problemas acabariam. Que ele, enfim, conseguiria um emprego, um trabalho!
E assim saiu.
Olhou a foto da amada, sorriu um riso que não sorria há muito tempo, olhou para o céu e foi…
E no ponto de ônibus, enquanto se preparava para mais uma tentativa foi apagado da história. Seis tiros.
As pessoas corriam, fugiam “dos homem” que faziam aquilo, pareciam querer apagar mesmo a última esperança do rapaz. Ou apagar algo que os incriminasse. Não sei… mas, assim é a vida.
Parece incrivel, mas naquela hora, ao olhar a face do menino, parecia que ele tinha se livrado de um peso.
Seu rosto estava sereno. E os bandidos, jamais foram, nem serão encontrados”.
No momento em que aquele desconhecido me contaria sobre as manchetes nos jornais, o que aconteceu com a mulher do rapaz e o que a polícia local estava fazendo, o ônibus se aproximava enquanto ele se preparava para embarcar e em vez de dizer adeus, apenas disse: As histórias não assim pra todo mundo….as pessoas não são iguais! É a lei!
Confesso que quase trinta anos após ouvir essa história, que não sei se é verdadeira ou não, entendo apenas as ultimas palavras daquele desconhecido: “As pessoas não são iguais… perante a lei!”
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