Ninguém jogava tão bem quanto o Zezinho, que morava lá no fim da Vila, no pé da ladeira, na casa 113.
Poucas pessoas acreditavam que aquele magricela, driblador, faria tanto sucesso assim no bairro. Mas, seu pai, o senhor José, o levava diariamente para os testes – pois sabia que ele era realmente bom.
O tempo o preparava…
Até que o dia chegou.
Robson, o principal jogador da vila, torceu o tornozelo numa dividida com Marquinhos. Era, apenas um treino, mas Robson não conseguiu tirar o pé do quarto buraco,na lateral da grande área.
E lá ficou o moleque!
Chorando, desesperado, o encontro dos bairros aconteceria e ele não jogaria.
Era a chance do Zezinho.
Seu Lourival não tinha reservas no banco e vendo o menino franzino ansioso por entrar, pensou: “É apenas um treino!”
Convidou o Zé. E em tom de brincadeira disse:”Arrasa aí, moleque!”
E o moleque arrasou.
Na primeira bola, soberbo, driblou o seu próprio companheiro de time, enganando aos adversários que não entenderam aquilo e desafiando as leis da gravidade voou até a entrada da grande área chutando suavemente a pelota que morreu no ângulo direito.
O goleiro voou ao máximo, mas onde a bola entrou – nem o Zetti chegaria.
O Zezinho arrasou, mas algo chamava a atenção.
Sempre que ameaçado, o Zezinho rolava, se contorcendo, parecia estar morrendo…e quando o treinador, convencido, assinalava a falta, ele levantava feliz. Zombando do adversário.
“Antipático” – diziam os colegas, e entre estes ganhou o nome de Zezinho da ladeira, pois rolava como que descendo a ladeira da rua onde morava toda vez que esbarrava em alguém.
E os juízes sempre expulsavam o adversário, mesmo nos treinos!
Seu Lourival ficou encantado, o time da vila teria agora um gênio – uma arma secreta contra as defesas dos times dos outros bairros e assim aconteceu.
Nos torneios do bairro aquele menino brilhava e o time ganhava tudo e de todos.
10X1 nos Pernas Quebradas Esporte Clube, 9×3 no Tamanco Social e incríveis 7X1 na seleção de Pardais Famosos, o maior campeão dos torneios.
E a fama crescia. Todos queriam falar do Zé, a maior promessa do futebol.
O pai do Zé via o futuro, Oceanos de dinheiro na conta dele e do Júnior. Os músicos cantavam “Tocou no Zé é gol”, os locutores dos torneios bajulavam o moleque até mais que aos políticos e patrocinadores.
Para os locutores não era mais o Zé da Ladeira, era o Menino Zé.
O Zé cresceu mais que o time.
E o Zé criou asas…humilhava os colegas de time, não respeitava aos adversários… conseguiu até contratar locutores para cantar suas vitórias – e com isso, conseguir mais fãs. – Mandou até o seu Lourival calar a boca!
Depois dos torneios de bairro a meta agora era o título da cidade. E eles ganharam! E os locutores, comprados, tornavam aqueles onze que se mataram durante a partida de futebol em apenas meros coadjuvantes, graças ao Zé da Ladeira o time da Rua era agora campeão municipal.
Era a hora daquele time, comandado pelo Zé da Ladeira enfrentar as potências do estado. E o Zé descobriu que agora com fama e dinheiro bastava se jogar e rolar pelo chão que das duas coisas prováveis, uma aconteceria: Ou o adversário ficaria irritado e agrediria de verdade e seria expulso ou o Juiz expulsaria o adversário antes mesmo deste ficar irritado.
E expulsando a todos, humilhando a todos e rolando pelo gramado o Zé ganhou títulos, ganhou dinheiro e comprou tudo que o dinheiro pode comprar, casas, barcos, aviões, carros…e até um caminhão cheio de amigos.
E foi embora do Time do bairro, que acreditava que ganharia algo por descobrir aquele talento!
E desde então, o time foi definhando aos poucos vivendo apenas das memórias de um menino magricela que rolava como uma bola nos gramados… restando agora, apenas um campinho seco, traves quebradas… e nem mesmo o Sr. Lourival desfila por lá.
E hoje, para mostrar que ainda lembra a sua origem, Zé da Ladeira, contrata cineastas que farão um lindo documentário sobre a sua vida, com lindos depoimentos inventados e arrancará lágrimas dos antigos torcedores…
E encherá a pança de dinheiro!
E os trouxas, enganados, continuarão cantando: ” Tocou no Zé é Gol” e ao assistir a sua trajetória , dirão:
“Pobre Zé da Ladeira”.
E o Pobre Zé, rolando e enrolando a todos, encherá ainda mais a pança de dinheiro!
Gilson Cruz
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