“A história pertence ao vivo […] se ela não tem função para além de apagar o passado e impedir o futuro, então a sociedade é governada por mortos.”
— Friedrich Nietzsche, em Sobre a Utilidade e a Desvantagem da História para a Vida.
No centro histórico da bela Salvador, Bahia, há uma estátua em homenagem a Zumbi dos Palmares.
Enquanto admiro, lembro-me de que aprendi pouco sobre esse líder negro, até porque muitos professores evitavam ensiná-lo, e outros diziam que ele era um herói “inventado” para moldar a história.
Por muito tempo, aprendemos nas escolas que o Brasil foi “descoberto” e que exploradores e bajuladores do império eram heróis. Sim, a ignorância sobre o líder negro tinha um propósito.
“Quem controla o passado controla o futuro; quem controla o presente controla o passado.”
Orwell aborda como a reescrita da história serve ao controle social, criando uma realidade em que as pessoas perdem a capacidade de questionar o presente. — George Orwell, em 1984.
Conhecendo a História
Quando se trata de história…há sempre mais a ser descobeerto, não é verdade?
Zumbi dos Palmares, líder do Quilombo dos Palmares, é símbolo de resistência contra o colonialismo e a escravidão. Pouco se sabe sobre sua vida, e algumas histórias são questionadas, como a de que ele teria sido criado por um padre após ser sequestrado.
Uma menção confiável a Zumbi aparece em uma carta de d. Pedro II de Portugal, que ofereceu perdoá-lo caso ele aceitasse submeter-se. Outra hipótese é que “Zumbi” fosse um título de liderança em Palmares.
Zumbi discordou de Ganga Zumba, então chefe de Palmares, que aceitou um acordo de paz dos portugueses, garantindo liberdade aos nascidos no quilombo, enquanto os fugidos seriam recapturados.
Em 1678, Zumbi tornou-se líder e liderou a resistência até sua morte, em 1695, quando sua cabeça foi exposta em praça pública para aterrorizar os negros que o viam como imortal.
O Dia da Consciência Negra
Celebrado em 20 de novembro, o Dia da Consciência Negra, instituído pela Lei n.º 12.519/2011, homenageia Zumbi e promove a valorização da cultura afro-brasileira. A data contrasta com o 13 de maio, dia da abolição, que não garantiu aos ex-escravos direitos básicos, perpetuando desigualdades.
Movimentos como o Movimento Negro Unificado (MNU) dos anos 1970, influenciados pela “negritude” de Aimé Césaire, fortaleceram a consciência negra e a luta contra o racismo. Esse movimento busca conscientizar sobre injustiças e o impacto do racismo estrutural, promovendo o empoderamento da população negra.
Infelizmente, a sociedade brasileira ainda enfrenta o desafio de desmantelar privilégios historicamente concentrados. A população negra, assim como outras minorias, luta por reconhecimento e igualdade em uma sociedade que foi estruturada de forma desigual.
A data visa inspirar mudanças e combater estereótipos, promovendo eventos e celebrações que destacam as contribuições afro-brasileiras, enfrentando o racismo e promovendo representatividade.
“Uma civilização que escolhe fechar os olhos aos seus problemas mais cruciais é uma civilização atingida. É uma civilização agonizante.” – Aimé Césaire
Embora Césaire se refira às atrocidades coloniais, sua reflexão alerta para o perigo de distorcer a história, pois isso enfraquece a sociedade e mina a resistência à injustiça.
A República é um sistema de governo onde o poder reside em representantes eleitos pelo povo, comumente através de eleições.
Neste modelo, o governo busca o bem-estar comum e os governantes possuem mandatos com prazo determinado, o que impede a permanência indefinida no poder.
Este regime é fundamentado em princípios como igualdade perante a lei, divisão dos poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e a prestação de contas dos governantes em relação às suas ações.
Estudar a proclamação da República no Brasil é essencial para compreender as raízes das disparidades sociais e políticas no país.
Vamos entrar no contexto histórico.
Inseridos no contexto…
A fundação do Partido Republicano Paulista
A Proclamação da República no Brasil, ocorrida em 15 de novembro de 1889, foi o resultado de um contexto histórico complexo e multifacetado. A crise da monarquia teve raízes em insatisfações que se intensificaram ao longo das décadas.
No século XIX, a elite agrária exercia grande influência na política, e os interesses regionais frequentemente se chocavam com as diretrizes centralizadoras do governo imperial.
Esse cenário ficou ainda mais tenso com a pressão crescente da oligarquia cafeeira por maior autonomia.
Os movimentos republicanos começaram a ganhar força na década de 1870, pouco depois da Guerra do Paraguai. A vitória na guerra não trouxe prestígio à monarquia; pelo contrário, revelou suas fragilidades.
Nesse período, novos arranjos políticos emergiam, defendendo a modernização do país. A fundação do Partido Republicano Paulista (PRP) e o lançamento do Manifesto Republicano, em 1870, foram fundamentais para fortalecer a ideia de uma república.
O manifesto criticava o centralismo imperial e propunha o federalismo, defendendo que os grandes males do Brasil provinham da monarquia.
O papel dos Militares
Os militares, uma das principais forças insatisfeitas, começaram a se organizar após a Guerra do Paraguai.
O Exército havia se profissionalizado e, como consequência, seus membros exigiam melhores salários, melhorias na carreira e o direito de expressar suas opiniões políticas.
Eles também defendiam o laicismo no país e encontraram no positivismo, ideologia de Augusto Comte, um discurso que justificava a modernização por meio de uma república autoritária.
Muitos oficiais passaram a enxergar-se como guardiões do Estado, acreditando que uma república ditatorial era a solução para o Brasil.
A crise na monarquia se agravou com as elites emergentes nas cidades, que desejavam maior participação política, mas se viam excluídas por um sistema que beneficiava poucos.
Mesmo os liberais, ao tentarem expandir o eleitorado, não foram eficazes, pois a Lei Saraiva, de 1881, reduziu drasticamente o número de eleitores.
No interior do país, províncias como São Paulo, que já tinham grande importância econômica, exigiam uma representação mais justa. A centralização do poder na monarquia e a falta de autonomia para as províncias geraram profundo descontentamento.
Outro ponto crucial foi a questão da abolição da escravatura em 1888, que deixou um vácuo econômico para setores conservadores, especialmente fazendeiros que perderam sua mão de obra gratuita.
Este evento aprofundou a crise, forçando a sociedade a buscar novos modelos de governança. Grupos políticos, cafeicultores e os militares viam na república a solução para os problemas nacionais.
Além disso, a urbanização e a industrialização, embora ainda incipientes, evidenciavam a necessidade de uma reestruturação que atendesse às demandas de um Brasil em transformação.
A insatisfação com a monarquia culminou em um golpe que uniu diferentes setores da sociedade.
O papel das elites urbanas e rurais
O descontentamento das elites urbanas e rurais, somado à crescente mobilização das forças armadas, gerou um ambiente propício para a Proclamação da República.
O evento foi liderado por militares, apoiados por uma parcela da sociedade civil, e resultou na expulsão da família real. Marechal Deodoro da Fonseca proclamou a república e se tornou o primeiro presidente do Brasil.
A nova república trouxe mudanças significativas, como a Constituição de 1891, que implantou o federalismo e descentralizou o poder, favorecendo a autonomia dos estados.
No entanto, apesar das expectativas de modernização e inclusão, a elite militar e a classe ilustrada assumiram posições de destaque no novo regime, garantindo que seus interesses fossem preservados.
A estrutura republicana acabou beneficiando poucos, enquanto as camadas populares continuaram enfrentando desigualdades.
A narrativa oficial sobre a Proclamação da República frequentemente simplifica esses eventos, omitindo as complexidades e os conflitos de interesses envolvidos.
A transição não foi consensual nem espontânea; foi marcada por tensões sociais e políticas que continuam a moldar a história brasileira.
Uma análise mais crítica revela a multiplicidade de vozes que influenciaram a queda da monarquia e a importância de questionar a memória histórica dominante.
O papel do Povo
Segundo o livro Os Bestializados, de José Murilo de Carvalho, a reação da população mais humilde, em sua maioria composta por trabalhadores urbanos, escravos recém-libertos e cidadãos de baixa renda, foi marcada pela indiferença e falta de envolvimento com a Proclamação da República.
Carvalho argumenta que, para a maioria das pessoas comuns, o evento passou quase despercebido e não trouxe um significado claro ou um impacto imediato em suas vidas cotidianas.
O autor explica que a mudança de regime, de monarquia para república, foi conduzida por elites políticas e militares sem a participação ativa das massas.
O povo foi espectador de um processo que, para ele, parecia distante e abstrato.
As decisões políticas eram tomadas por um círculo restrito de líderes, e a falta de comunicação e integração entre as elites e a população mais pobre contribuiu para um sentimento de alheamento.
A população, portanto, se sentia desamparada e desconectada do novo regime, sem compreender as implicações da mudança.
Conclusão
A história oficial muitas vezes pinta um quadro de que a população inteira estava engajada na luta pela proclamação da República, mas a realidade é que apenas uma elite buscava preservar e expandir seus privilégios.
Os desfavorecidos do império continuaram a ser os desfavorecidos na república, permanecendo pobres, sem voz ativa, sem acesso à educação adequada por décadas e excluídos da participação em regimes autoritários subsequentes.
Essas consequências e sua continuidade são visíveis no modelo educacional que prevaleceu por décadas no Brasil, perpetuado pelas mesmas elites que dominam desde a agricultura até os meios de comunicação e eventos culturais.
Uma parte da população, assim como naquela época, se contenta com as migalhas oferecidas através de cargos políticos adquiridos por bajulação e traição, sacrificando sua própria dignidade e a de seus descendentes.
Pesquisas: “O Reino que não era deste Mundo” por Marcos Costa