É clima de boas festas…
O comércio esperou o ano inteiro para adornar as suas lojas com enfeites natalinos, atraindo mais clientes com brinquedos e iguarias típicas das festas de fim de ano.
A tentação dos olhos é acalmada pelas alegres canções natalinas.
Crianças pobres admiram das vitrines os mais belos brinquedos, mas não estão inocentes, “o seu Papai Noel” não vem, como das outras vezes.
A disparidade das diferenças sociais é visível nesta época do ano.
Enquanto isso acontece, o fundo musical não poderia ser mais honesto: Ouço “Boas Festas”, uma composição do baiano Assis Valente.
Pois é, enquanto o Natal é sinônimo de celebração para muitos, também expõe as desigualdades sociais e os desafios emocionais, como os enfrentados por Assis Valente…
Vamos Conheer a sua história.
Conhecendo Assis Valente
Assis Valente foi um dos maiores nomes da música brasileira que sofreu de intensa depressão em sua vida, um tema que ainda hoje ressoa devido à importância de se discutir saúde mental, especialmente entre artistas.
Nasceu no dia 19 de março de 1911, na Bahia, em local controverso entre Salvador e o distrito santamarense de Bom Jardim.
Assis viveu muitas dificuldades na infância.
Ainda menino, foi separado de seus pais biológicos e entregue a uma família em Santo Amaro, onde foi educado, mas também obrigado a realizar trabalhos extenuantes.
Mais tarde, foi criado por outro casal em Alagoinhas, que o matriculou no Liceu de Artes e Ofícios da Bahia para aprimorar suas habilidades em desenho e escultura.
Durante a juventude, trabalhou como doméstico, assistente em hospitais e até declamador de versos em um circo. Essas experiências moldariam tanto sua personalidade quanto sua obra.
Mudança para o Rio de Janeiro
Era na capital que as coisas aconteciam…
Em 1927, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde trabalhou como protético e ilustrador, publicando desenhos em revistas como Shimmy e Fon-Fon.
Mudando para o Rio, ele se tornou um dos compositores mais aclamados da era do rádio, escrevendo sucessos para intérpretes icônicos como Carmen Miranda e Orlando Silva.
Na década de 1930, incentivado por Heitor dos Prazeres, começou a compor sambas que alcançaram sucesso nas vozes de grandes intérpretes.
Seu primeiro sucesso, “Tem Francesa no Morro” (1932), foi cantado por Aracy Cortes.
Compositor de músicas festivas
Assis Valente também é considerado pioneiro em criar músicas para festas juninas (“Cai, Cai, Balão”) e natalinas (“Boas Festas”), ambas de 1933.
“Boas Festas”, composta em um quarto de pensão em Niterói durante o Natal de 1932, é um marco na música brasileira, retratando a realidade de desigualdade social vivida pelo próprio compositor.
Assis, então com 24 anos, estava sozinho e deprimido, longe da família e sem notícias dos seus entes queridos.
Inspirado por uma imagem natalina no quarto, a composição tornou-se uma expressão de sua melancolia e um pedido por felicidade.
A canção consolidou-se como um ícone do Natal à brasileira, sendo amplamente regravada por diversos artistas ao longo das décadas.
Apesar de sua genialidade e das canções que marcaram época, como “Brasil Pandeiro” e “Camisa Listrada”, Assis enfrentou profundas angústias internas.
“Brasil Pandeiro”, sucesso que foi recusado por Carmen Miranda, ganhou notoriedade com os Anjos do Inferno e, mais tarde, com os Novos Baianos.
Conflitos internos
A depressão que o acometeu foi agravada por circunstâncias externas e internas.
Ele sofreu com questões financeiras, apesar do sucesso de suas músicas, e também com o reconhecimento limitado de sua contribuição artística na época.
Muitas de suas composições eram vendidas a preços irrisórios, privando-o de uma fonte de renda estável.
A crise financeira se agravou com dívidas crescentes, como a que teve com Elvira Pagã, cantora de alguns de seus sucessos.
Além disso, a pressão para manter o padrão de vida exigido por sua posição na sociedade exacerbava suas dificuldades econômicas.
Assis, um homem sensível, parecia carregar o peso do mundo em suas criações, que mesclavam humor, crítica social e uma melancolia subjacente.
Uma triste vida tumultuada e o fim
Casou-se em 1939 e teve uma filha, Nara Nadyli, mas o casamento terminou em separação.
Enfrentou várias tentativas de suicídio, incluindo uma em 1941, quando saltou do Corcovado, mas foi salvo pelas árvores.
Em um dos momentos mais desesperadores, procurou o escritório de direitos autorais na esperança de conseguir dinheiro, mas recebeu apenas um calmante.
Assis Valente decidiu encerrar sua vida no dia 11 de março de 1958, uma terça-feira chuvosa no Rio de Janeiro. Endividado e profundamente abatido, comunicou sua intenção a amigos e funcionários, antes de ingerir formicida em um banco de rua no Largo da Glória.
No bolso, deixou um bilhete onde pedia a Ary Barroso que pagasse dois aluguéis atrasados. Seu último verso dizia: “Vou parar de escrever, pois estou chorando de saudade de todos, e de tudo.”
Lições e legado
A relevância de Assis Valente transcende sua tragédia pessoal.
Ele deixou um legado que continua a influenciar a música popular brasileira, evidenciando o papel do artista como cronista de sua época.
Hoje, sua história inspira reflexões sobre os desafios enfrentados pelos criadores e a importância de oferecer suporte a quem lida com problemas emocionais e psicológicos.
Convém lembrar que mesmo na atualidade alguns intérpretes famosos exigem ter seus nomes como co-compositores de canções potencialmente lucrativas, desmerecendo o verdadeiro compositor, que teme ser boicotado caso não aceite.
As canções de Assis Valente foram redescobertas nos anos 1960 e desde então vem sendo regravadas por grandes nomes da MPB, como Chico Buarque, Maria Bethânia e Elis Regina.
Sua obra reflete sua genialidade como compositor, e também a realidade de uma época marcada por desigualdades sociais e desafios pessoais.
Conheça a letra:
Boas Festas
Assis Valente
Anoiteceu
O sino gemeu
E a gente ficou
Feliz a rezar
Papai Noel
Vê se você tem
A felicidade
Pra você me dar
Eu pensei que todo mundo
Fosse filho de Papai Noel
Bem assim felicidade
Eu pensei que fosse uma
Brincadeira de papel
Já faz tempo que eu pedi
Mas o meu Papai Noel não vem
Com certeza já morreu
Ou então felicidade
É brinquedo que não tem
Oh, anoiteceu
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Fonte: Wikipedia
“Boas Festas”: o “hino” do Natal brasileiro que nasceu da | Cultura
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Comentário (1)
Rebeca| 13 de dezembro de 2024
Excelente texto.